quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Valsa com Bashir

Valsa com Bashir ou Waltz with Bashir é um “dramacomentário animado” hebraico de Israel, Alemanha, França, EUA, Holanda, Finlândia, Suíça, Bélgica e Austrália (ufa!) de 2008, dirigido por Ari Folman. 
“Numa noite num bar, um homem conta ao velho amigo Ari sobre um pesadelo recorrente no qual é perseguido por 26 cães alucinados. Toda noite é o mesmo número de bestas. Ambos concluem que o pesadelo tem a ver com a missão deles no exército israelense contra o Líbano, décadas atrás. Ari, no entanto, fica surpreso ao perceber que não consegue mais se lembrar de nada sobre aquele período da sua vida. Intrigado com o enigma, Ari decide se encontrar e entrevistar velhos camaradas pelo mundo. Ele tem necessidade de descobrir toda a verdade sobre aquele tempo e sobre si mesmo. E, quanto mais ele se aprofunda no mistério, mais suas lembranças se tornam aterrorizantes e surreais”.

Durante o período em que serviu o Exército, Folman foi enviado para o Líbano, invadido por Israel em 1982. Foi uma guerra suja, como todas, na qual as tropas israelenses contavam com o apoio, e apoiavam, as milícias cristãs, em oposição às diferentes milícias xiitas, apoiadas por Síria e Irã. A invasão israelense ficou marcada pelo massacre de Sabra e Chatila, campos de refugiados palestinos, localizados a oeste de Beirute. Em represália ao assassinato de seu líder, Bashir Gemayel, milícias cristãs invadiram os campos e mataram centenas de crianças, mulheres e idosos entre os dias 16 e 18 de setembro de 1982. O papel do Exército de Israel no episódio nunca foi claramente determinado, mas não há dúvidas sobre a sua grave omissão e ajuda indireta, cuidando da entrada e iluminando os campos à noite.

O cineasta Ari Folman se dedica, em “Valsa com Bashir”, a reconstituir os seus dias no Líbano – um tempo traumático, apagado de sua memória. Para isso, ele entrevista colegas que serviram juntos na guerra, ouve amigos, conversa com um psicanalista, enfim, tenta entender o que aconteceu e o que ele fez lá. O trauma gerado pelo massacre ainda é presente no imaginário israelense, e um determinado momento do filme é possível perceber a comparação com os campos de concentração que dizimaram um número enorme de judeus, negros, ciganos e homossexuais.  Filmadas, as entrevistas foram transformadas em imagens de animação, dando ao filme um ar de “graphic novel”. Dizem os especialistas que “Valsa com Bashir” inventou um novo gênero, ou subgênero, o documentário de animação. É impressionante a força e o impacto do resultado.

Folman não se preocupa em ouvir os muitos lados envolvidos na guerra (as milícias, os civis, os políticos) – apenas os israelenses com quem conviveu no período. Seu esforço, ao resgatar a memória daqueles dias, é menos de denúncia do que autoconhecimento. Não por acaso, “Valsa com Bashir” foi criticado por israelenses tanto à esquerda quanto à direita do espectro político. Na coletiva do Festival de Cannes, o diretor contou que a animação foi uma escolha natural, a que melhor auxiliaria no processo de revirar o baú do passado, e ajudaria a atrair para o filme um público jovem que sabe pouco sobre essa guerra, tanto em Israel como no resto do mundo.

No final do filme, um choque: algumas seqüências reais, imagens de arquivo, que acordam para a realidade. "Essas imagens eram importantes para lembrar que o assunto é serio, que não estou apenas fazendo um filme 'cool' sobre a guerra". O resultado é meio surrealista, com freqüência trágica e com momentos muito fortes, por vezes, devastadores. A narrativa é construída como um documentário convencional, mas a animação permite que ele dê vida aos pesadelos para tentar chegar ao cerne da questão: tiveram ou não os oficiais israelenses culpa na história. Sabiam ou não do massacre e por que não tentaram impedi-lo? O filme não chega a responder claramente e a conclusão fica por conta do espectador. Ou seja, um filme intrigante, instigante, que é para ser visto e discutido. 


As imagens de animação são lindas, com predominância do amarelo e do cinza, criam uma atmosfera peculiar e que cria um clima perfeito para a história. Menos superficial do que uma simples reconstituição com atores de carne e osso, o formato animado e a trilha sonora de punk rock ajudam a criar uma atmosfera jovem para a história. A intenção, no entanto, passa longe de glamourizar a experiência, como esclareceu em entrevista ao G1 no ano passado o diretor Ari Folman. "Este é um filme antiguerra. Em filmes americanos, mesmo nos que criticam a guerra, você sempre vai ter certo glamour em torno da guerra: a glória, a amizade entre os soldados, a masculinidade, a bravura. Você vê e fala: 'sim, é um filme antiguerra, mas eu quero ser um desses caras'. Com 'Bashir', quero que os jovens vejam e não queiram se sentir parte disso."

Já descrito como uma mistura de "Persépolis", a graphic novel da quadrinista Marjane Satrapi sobre sua infância na Revolução Iraniana, com "Nascido para matar", filme de Stanley Kubrick sobre o impacto psicológico do serviço militar na mente dos jovens americanos, "Valsa com Bashir" é capaz de sensibilizar e perturbar o espectador mesmo que não traga necessariamente todos os lados da delicada situação no Oriente Médio.

A memória é um recurso usado de forma soberba pelo diretor para mostrar o Horror da Primeira Guerra do Líbano. E a culpa de todos os envolvidos na guerra; o massacre de palestinos por libaneses com a complacência dos israelenses é mostrado no filme sem concessões baratas ao sentimentalismo; todos os lados da guerra são considerados culpados por Folman.  Trata de um assunto extremamente duro: os massacres dos campos de refugiados palestinos no Líbano, Sabra e Shatila, e da participação do exercito israelense, Tsahal, aos massacres (não diretamente, mas os soldados israelenses estavam a beira dos campos de refugiados, deixaram os falangistas cristianos libaneses entrar nos campos, testemunharam execuções de civis, mas demoraram 24h para mandar parar...).

Achei interessante o filme ter sido classificado como documentário, (parte de memórias da guerra) e me pareceu inusitado desenvolver um tema tão denso, real e sério como esse, na forma de animação. Comoveu-me o esforço do diretor. Muito interessante, e muito sutil sobre vários aspectos da historia, muito realista sobre a violência e o lado absurdo das guerras, sobre a falta de culpabilidade dos homens e falta de "aprendizado" (uma das falas mais fortes do filme é quando um amigo de Ari o compara a um nazista, porque ele passou a noite perto de Sabra e Shatila, ajudando indiretamente os phalangistas a massacrar os refugiados, lançando "flares" para iluminar o céu, sabendo por entreouvidos o que estava acontecendo, mas a nenhum momento fez qualquer coisa (poderia ter feito alguma coisa???) para impedir aquela situação horrorosa).

Vale a pena ver, refletir...

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