No curso de A.U. do
Izabela Hendrix, na disciplina de História da Arquitetura, da Cidade e das
Artes I, minha Professora, Sandra Lemos Coelho Bontempo, pediu que
assistíssemos ao filme “O Nome da Rosa” para uma comparação com o texto “A Vida
Doméstica Urbana Medieval”. Como eu assisti ao filme três vezes, dedico este
post a ele.
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Passado numa abadia italiana em 1327, O Nome da Rosa decorre
durante ‘o cativeiro Babilônico’, um período de 70 anos durante o qual os papas
eram franceses e a Santa Sé foi transferida de Roma para Avignon. Neste tempo
de imenso rebuliço, as ordens monásticas competiam por influência temporal e
espiritual. Os imperadores italiano, francês e alemão competiam pela dominação
política e as relações muitas vezes hostis no seio do papado, ordens religiosas
e vários imperadores faziam da vida monástica uma vida pouco tranqüila. A Baixa Idade Média (século XI ao XV) é
marcada pela desintegração do feudalismo e formação do capitalismo na Europa
Ocidental. Ocorrem assim, nesse período, transformações na esfera econômica
(crescimento do comércio monetário), social (projeção da burguesia e sua
aliança com o rei), política (formação das monarquias nacionais representadas
pelos reis absolutistas) e até religiosas, que culminarão com o cisma do ocidente,
através do protestantismo iniciado por Martinho Lutero na Alemanha em 1517.
Culturalmente, destaca-se o movimento renascentista que surgiu em Florença no
século XIV e se propagou pela Itália e Europa, entre os séculos XV e XVI. O
renascimento- enquanto movimento cultural- resgatou da Antigüidade greco-romana
os valores antropocêntricos e racionais, que adaptados ao período, entraram em
choque com o teocentrismo e dogmatismo medievais sustentados pela Igreja.
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O Nome da Rosa, que tem como centro da história uma
biblioteca, caracterizada como reservatório do saber e como pano de fundo um
mosteiro, onde se passa a trama. A
expressão "O Nome da Rosa" foi usada na Idade Média significando o
infinito poder das palavras. A rosa subsiste seu nome, apenas; mesmo que não
esteja presente e nem sequer exista. A “rosa de então”, centro real desse
romance é a antiga biblioteca de um convento beneditino, na qual estavam
guardados, em grande número, códigos preciosos: parte importante da sabedoria
grega e latina que os monges conservaram através dos séculos. O autor
mostra grande conhecimento da filosofia medieval, da política da Igreja e do
ambiente que dominava as abadias dos beneditinos. A história ocorre em sete dias, e cada dia é
dividido nas partes que a Igreja usava para que seus clérigos rezassem:
Matinas, Laudes, Primeira, Terceira, Sexta, Nona, Vésperas e Completas. Sete
mortes misteriosas ocorrem durante aquela semana e todas elas ligadas à
existência ou não de um livro de Aristóteles sobre a Comédia. Umberto Eco
critica impiedosamente as questões que os teólogos trocavam entre si se Jesus
Cristo sorriu alguma vez na sua vida, de alguma situação ou de alguém. O
mosteiro representa a forma tradicional que a igreja se estabeleceu no ocidente
cristão. Estes faziam parte de um mundo fechado, uma verdadeira fortaleza com
muralhas e portões que preservavam a vida monástica dos perigos. Os principais
mosteiros medievais possuíam grandes riquezas, terras, tesouros e servos. Essa época foi bastante influenciada pelo
filósofo Santo Agostinho (354 – 430). Em
seu tratado A Doutrina Cristã Santo Agostinho estabelece que “Os Cristãos podem
e devem tomar da filosofia grega pagã tudo aquilo que for importante e útil
para o desenvolvimento da doutrina crista, desde que, ao mesmo tempo, o que for
tomado seja compatível com a fé”. Isto vai constituir o critério para a relação
entre o cristianismo (teologia e doutrina cristã) e a filosofia e a ciência dos
antigos. Por isso é que a biblioteca tem que ser secreta, porque ela inclui
obras que não estão devidamente interpretadas no contexto do cristianismo
medieval. O acesso à biblioteca era restrito, pois em seu interior existia um
saber pagão que poderia ameaçar a doutrina cristã. Como diz ao final Jorge de Burgos, o velho
bibliotecário, acerca do texto de Aristóteles – a comédia pode fazer com que as
pessoas percam o temor a Deus e, portanto, faz desmoronar todo esse mundo.
Seguindo o pensamento de Santo Agostinho, os clérigos restringiam o acesso ao
conhecimento, servindo como um entrave, uma negação para a Idade Moderna.
Porém os monges se dedicavam a traduzir e copiar livros, o que foi essencial na
preservação e difusão na cultura clássica e nas obras religiosas. Durante a
Idade Média umas das práticas mais comuns nas bibliotecas dos mosteiros eram
apagar obras antigas escritas em pergaminhos e sobre elas escrever ou copiar
novos textos. Eram os chamados palimpsestos, livretes em que textos científicos
e filosóficos da Antigüidade clássica eram raspados das páginas e substituídos
por orações rituais litúrgicos.
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Se a abadia é o corpo deste enredo, a biblioteca funciona
como o seu coração. Instalada numa torre de pose austera, acessível através de
um intrincado labirinto de escadas e corredores, ela guarda o verdadeiro
tesouro: o conhecimento. Das salas partiam caminhos enganadores, para além de,
no local mais inacessível, alguém colocara o livro da Poética de Aristóteles,
que supostamente tratava da comédia e do riso e que era considerado um atentado
à fé. Na Antiguidade pagã, o saber sempre foi privilégio de alguns. No Egito
foi igualmente assim, o mesmo acontecendo na Grécia e no Oriente, onde se
cultivava a força e o poder. Sabe-se que o saber dá poder, logo era
perfeitamente natural que aqueles que sabiam, procurassem esconder as suas
descobertas, tentando assim controlar o poder. Como se isso não fosse suficiente, o labirinto
da biblioteca da Abadia tinha sido construído à imagem do mundo conhecido pelos
medievais. Cada sala era designada por uma letra, e as letras de um conjunto de
salas formavam o patronímico de um país ou de uma região. Por exemplo, as salas
designadas com as letras A, N, G, L, I, reuniam os autores ingleses. Através de
uma construção labiríntica, "a biblioteca defende-se por si, insondável
como a verdade que acolhe enganosa, como a mentira que encerra. Labirinto
espiritual é também labirinto terreno. Poderíeis entrar e poderíeis não
sair." Ela é testemunha da verdade e do erro. Essa era uma idéia defendida
pelos pensadores medievais. Historicamente, aquela biblioteca já existia antes
mesmo da construção da própria Abadia, o que acaba por nos transmitir a idéia
de que a Igreja Católica aproveitara-se do saber humano acumulado antes de sua
fundação e expansão, e teria alterado os fins a que tal saber se destinavam. É
este, certamente, o sentido das seguintes palavras de Adso: "(...) Não
tinha a experiência dum mestre-pedreiro, mas apercebi-me que ele (o edifício da
biblioteca) era muito mais antigo que as construções que o rodeavam, nascido
talvez para outros fins, e que o conjunto abacial se dispusera à sua volta em
tempos posteriores, mas de modo que a orientação da grande construção se
adequasse à da Igreja, ou esta àquela".
A Igreja, na Idade Média, teria tido apenas a preocupação de conservar,
de repetir e defender o que a humanidade tinha aprendido, não dando valor nem
permitindo a investigação e o desenvolvimento intelectual. Esta Abadia foi
imaginada pelo autor como um símbolo da época medieval e do próprio mundo,
assim como da História, ele mesmo o diz: "Esta abadia é um verdadeiro
microcosmo”. Por outro lado, todas as instituições e estados sociais da época
estavam representadas na planta da Abadia. Em primeiro lugar, analisa-se o modo
como é apresentada a igreja da abadia, pois esse edifício simboliza a própria
Igreja Católica, na Idade Média. O autor distingue na construção do edifício
religioso duas igrejas, feitas em dois diferentes estilos. A primeira, mais
antiga, é de construção românica, sóbria, solidamente plantada no chão da
montanha, mais larga do que alta, para ter mais estabilidade, e encimada por
ameias quadradas. Essa igreja antiga
construída sobre a pedra, quase sem adornos, representa evidentemente a igreja
primitiva que os sectários consideravam a verdadeira igreja de Cristo: igreja
pobre, sem riquezas materiais, sem estruturas, uma pura igreja espiritual, que
depois se corrompera ao ter aceitado a doação de Constantino, no século IV.
Como se vê, Frei Guilherme defende na sua alusão: A ideia de que a Igreja deve
ser pobre, espiritual, e não dogmática; Essa nova igreja subornada pelos
donativos do Estado Romano, rica, cheia de enfeites, materializada nas suas
estruturas, fossilizada nos seus dogmas, é simbolizada pelo segundo edifício,
construído sobre a igreja românica. Na entrada da igreja da abadia, Adso e Frei
Guilherme detém-se a contemplar o tímpano esculpido em estilo românico. Nele
está representada a visão do trono de Deus de Ezequiel e o juízo final em que Cristo julgará os
vivos e os mortos, levando os bons para o céu e condenando os maus ao fogo
eterno. Nesse tímpano estavam representados ainda os sete pecados capitais,
utilizando-se os mesmos números cheios de significados místicos que aparecem no
Apocalipse, e procurando-se obedecer às leis da estética medieval que mandava harmonizar
o uno e o múltiplo, o unívoco e o equívoco. Simbolicamente, o autor situa o
cemitério da Abadia entre a igreja e a biblioteca. Entre a religião e o saber,
estava a morte. Existiam dois caminhos que efetuavam a ligação entre a igreja e
a biblioteca, entre a religião e o saber. O primeiro, que era visível, passava
por entre os túmulos. O segundo, um caminho subterrâneo, secreto, passava por
entre os mortos. O enigma da morte permitia entrar no labirinto, fornecia a
chave de acesso, mas não a do seu segredo tão bem guardado. E os monges eram
dominados pela biblioteca, pelas suas promessas (o céu) e por suas proibições
(os mandamentos). Com base nesses argumentos é que podemos considerar que a
Idade Média também foi uma “semente” para o nascimento da Idade Moderna.
Podemos considerar a biblioteca como o núcleo do mosteiro. O saber como se pode
observar no filme se mostra como algo que não é transparente, de acesso
imediato, porém labiríntico, e em sua busca podemos nos perder com facilidade.
No personagem Guilherme de Baskerville podemos encontrar
características de um empirista, um intelectual renascentista, que busca o
conhecimento através das experiências, da observação e da visão cientista
contra a especulação. Ele carrega consigo um par de óculos, que simbolizam essa
necessidade de observar bem os fatos. À medida que ele vai tentando desvendar
os assassinatos que ocorrem no mosteiro fica mais clara sua visão de buscar a
verdade através de observações meticulosas e da recusa por explicações sem
sentido. Todos no mosteiro tentam explicar os acontecimentos como sendo obra
divina. O inquisidor Bernardo Gui é chamado para desvendar o mistério em torno
das mortes, e imediatamente vê a presença do demônio e de bruxaria. Essa é uma
forma de conhecimento que não vê a realidade, fruto de superstição e da fé cega
na doutrina. Os motivos dos crimes é a defesa da tradição contra um novo
saber. No entanto, os crimes ocorridos
não explicam o verdadeiro mistério da Abadia, mas são explicados por ele.
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A Idade Média assistiu em sua agonia um grande debate
filosófico-religioso. Perdido o equilíbrio o homem medieval caiu em dois
extremos opostos. De um lado tínhamos a posição do catolicismo; de outro, a
concepção imperial, laica e estadista. De um lado, a igreja, avessa a qualquer
tipo de evidência racional e empírica, interessada na defesa dos dogmas da
cristandade, condenando tudo aquilo que, de uma forma ou de outra pudesse
contrariar as autoridades permitidas, nomeadamente, a lógica aristotélica e os
fatos resultantes da observação e experimentação. Do outro, uma posição aberta
à consideração da observação dos fatos independentemente da sua relação com os
dogmas, partindo justamente dos fatos para a construção de hipóteses e sua
posterior verificação empírica e conformidade racional, ou seja, a
demonstração. Para além desta abordagem o filme apresenta inúmeros e valiosos
elementos para a caracterização da sociedade e cultura da época. Destaque para
o retrato das relações sociais entre as diferentes classes, o poderio da igreja
e a manipulação, psicológica, econômica e política subjacente ao mesmo. O filme
revela igualmente o importante fato da cultura, sabedoria e conhecimento serem
um privilégio de apenas algumas pessoas, e por essa razão, poderem ser
manipuladas em função de outros interesses que não a descoberta da verdade, e
mais grave ainda, o fato da instituição Igreja, á imagem e semelhança do que
foi feito pelos romanos quando conquistaram a Grécia, terem destruído uma
grande parte da nossa herança cultural, pela simples razão de ser incômoda para
a religião e fé católicas, e, sobretudo , para a manutenção dos seus
privilégios e condição social, econômica e política.
Fonte: ECO, Umberto, Por que "O Nome da Rosa”? e MOSCARIELLO, Angelo (s.d.) Como ver um filme
OBRIGADO POR AJUDAR-ME.
ResponderExcluirE UM BELO TRABALHO.
Obrigado me salvou aqui em um trabalho de artes =D
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