O uso das calçadas: Contato
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Fonte: Google Imagens |
O ponto fundamental da vida
social nas calçadas é precisamente o fato de serem públicos. Reúnem pessoas que
não se conhecem socialmente de maneira intima, privada, e muitas vezes nem se
interessam em se conhecer dessa maneira. As cidades estão cheias de pessoas com
quem certo grau de contato é proveitoso e agradável, do seu, do meu ou do ponto de vista de qualquer individuo. Mas você não vai querer que elas fiquem no seu pé. Ao falar a respeito da segurança nas calçadas, existe a necessidade de haver, no cérebro por trás dos olhos atentos á rua, um pressuposto inconsciente do apoio geral da rua quando a situação é adversa - quando uma cidadão tem de escolher, por exemplo, se quer assumir a responsabilidade, ou abrir mão dela, de enfrentar a violência ou defender desconhecidos. Existe uma palavrinha para esse pressuposto de apoio: confiança. A confiança na rua forma-se com o tempo a partir de inúmeros pequenos contatos públicos nas calçadas. Grande parte desses contatos é absolutamente trivial, mas a soma de tudo não é. A soma desses contatos públicos casuais no âmbito local - a maioria dos quais é fortuita, diz respeito a solicitações, a totalidade dos quais é dosada pela pessoa
envolvida e não imposta a ela por ninguém – resulta na compreensão da
identidade pública das pessoa, uma rede de respeito e confiança mútuos e um
apoio eventual na dificuldade pessoal ou da vizinhança. A inexistência dessa
confiança é um desastre para a rua. Seu cultivo não pode ser
institucionalizado. E, acima de tudo, ela implica não comprometimento pessoal.
Ruas impessoais geram pessoas anônimas, fato diretamente relacionado à vida
pública e informal das calçadas como convocações de encontros, disponibilidade
de locais de encontro e existência de questões de interesse público óbvio. A
privacidade na zona urbana é preciosa. É indispensável, mas na maioria dos
lugares não se consegue obtê-la. Em comunidades pequenas, todo mundo sabe da
vida de todo mundo. Na cidade grande, nem todos sabem, a não ser aqueles que
você escolhe para revelar segredos. Essa é uma característica das cidades
grandes mais intensamente apreciadas e zelosamente preservadas. A privacidade
por meio de janelas é a coisa mais fácil de conseguir no mundo. No entanto, a
privacidade de revelar assuntos particulares a pessoas escolhidas e a
privacidade de ter razoável controle sobre quem pode usar do seu tempo e quando
fazê-lo são coisas raras na maior parte do mundo e não têm relação alguma com a
disposição das janelas. Uma boa vizinhança urbana consegue um equilíbrio e
tanto entre a determinação das pessoas de ter um mínimo de privacidade e seu
desejo concomitante de poder variar os graus de contato, prazer e auxilio
mantidos com as pessoas que as rodeiam. Esse equilíbrio é em grande parte
constituído de pequenos detalhes manejados com sensibilidade e aceitos e
praticados de maneira tão informal que normalmente nem são percebidos. Trata-se
desse limite bem traçado, imposto quase inconscientemente, entre o mundo
público e o privado. Esse limite pode ser mantido, sem que ninguém estranhe,
pela grande variedade de oportunidades para contato público nos negócios
instalados ao longo das calçadas ou nas próprias calçadas. Com um
relacionamento assim, é possível conhecer na vizinhança todo tipo de pessoa sem
estabelecer laços indesejados ou obrigações dessa espécie que vem junto com os
relacionamentos menos restritos. Com o passar do tempo, é possível até a
convivência familiar entre elas. Compartilhar é um tempo legitimamente aversivo
para um velho ideal da teoria do planejamento urbano. Esse ideal é o de que, se
há algo a dividir entre as pessoas, deve-se dividir ainda mais. O compartilhar,
aparentemente um recurso espiritual dos novos subúrbios, tem um efeito
destrutivo para as cidades. A existência de partilhar mais afasta os moradores
da cidade. Quando uma área da cidade carece de vida nas calçadas, os moradores
desse lugar precisam ampliar sua vida privada se quiserem manter com seus
vizinhos um contato equivalente. Devem decidir-se por alguma forma de
compartilhar, pela qual se divida mais do que na vida nas calçadas, ou então
decidir-se pela falta de contato. Quanto ao primeiro resultado, em que se
partilha mais, as pessoas tornam-se excessivamente exigentes em relação a quem
são seus vizinhos ou com quem elas se relacionam, primando por semelhanças
básicas de padrão de vida, valores e formação. Aí não existe vida pública em
nenhuma das acepções urbanas. Há graus variados de uma vida privada ampliada. O
resultado mais comum nas cidades, onde as pessoas de vêem diante da opção de
compartilhar muito ou nada, é o nada. Em lugares da cidade que careçam de uma
vida pública natural e informal, é comum os moradores manterem em relação aos
outros um isolamento extraordinário. O resultado disso é que se deixam de
realizar as obrigações públicas comuns, nas quais as pessoas precisam ter um
pouco de iniciativa pessoal, ou aquelas em que é preciso associar-se a um
propósito comum. O fosso que essa situação abre atinge proporções incríveis.
Para essas famílias, o significado de privacidade já foi bastante deturpado
para algo como uma forma de autoproteção: um mecanismo grupal complexo de
proteção e preservação da dignidade pessoal diante de tantas pressões externas
de adaptação. No entanto, pode-se encontrar, ao lado do isolamento, um nível
considerável de partilha nesses lugares. Ainda assim, o partilhar é o que
dificulta esse tipo de associação. A tendência é limitar-se a grupos reduzidos,
como se fosse um processo natural. Não existe uma vida pública normal. A
análise da estrutura social de um distrito apagado e desvitalizado chegou à
conclusão de que não havia estrutura social alguma. A estrutura social da vida
nas calçadas depende em parte do que pode ser chamado de uma figura pública
autonomeada. A figura pública é aquela que tem contato freqüente com um amplo
circulo de pessoas e interesse em tornar-se uma figura pública. Sua principal
qualificação é ser pública, conversar com várias pessoas diferentes. É assim
que se transmitem as noticias que são de interesse das ruas. A maioria das
personagens de rua são pessoas que cuidam de lojas ou bares. São figuras
públicas fundamentais: todas as outras figuras públicas das ruas dependem
delas. As figuras públicas não só espalham noticias e sabem as noticias como se
relacionam e espalham as novidades, de fato. A vida na rua não nasce de um dom
ou um talento desconhecido. Só surge quando existem as oportunidades concretas
de que necessita. Coincidentemente, são as mesmas oportunidades, com a mesma
abundancia e constância, necessárias para cultivar a segurança nas calçadas. Se
elas não existirem, os contatos públicos nas ruas também não existirão. Os
ricos têm muito mais maneiras de satisfazer necessidades do que os mais pobres,
que dependem mais da vida nas ruas. Mesmo assim, muitos dos ricos ou quase
ricos das cidades parecem apreciar a vida nas ruas tanto quanto qualquer outra
pessoa. Eles fazem de tudo, até pagar alugueis fabulosos, para mudar-se para
locais com uma vida de rua exuberante e variada. A eficiência das figuras
públicas diminui drasticamente se a pressão sob elas for muito grande. Um
desinteresse profundo é o clima que predomina nos lugares em que um centro comercial
planejado ou um zoneamento repressivo inventam artificialmente monopólios
comerciais nos bairros, embora tenha o sucesso financeiro previsto, socialmente
ele não atende à cidade. O contato público e a segurança nas ruas, juntos têm
relação direta com o mais grave problema social do nosso país: segregação e
discriminação racial. Urbanizar ou reurbanizar metrópoles cujas ruas sejam
inseguras e cuja população deva optar entre partilhar muito ou não partilhar
nada pode tornar muito mais difícil para as cidades superar a discriminação,
sejam quais forem as iniciativas empreendidas. Aparentemente despretensiosos,
despropositados e aleatórios, os contatos nas ruas constituem a pequena mudança
a partir da qual pode florescer a vida pública exuberante da cidade.
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