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Sobre a palavra
design
A palavra design significa, entre outras coisas, conspiração,
astucia, malicia. No entanto, como é que a palavra design adquiriu seu
significado atual, no discurso da cultura, reconhecido internacionalmente? A
palavra design ocorre nesse contexto de fraudes. Outros termos também bastante
significativos aparecem nesse contexto, como “mecânica”, “máquina”, “técnica” e
“arte”. A idéia fundamental é a de que um material amorfo que recebe do
artista, o técnico, uma forma, ou melhor, em que o artista provoca o
aparecimento da forma. A objeção fundamental de Platão contra a arte e a
técnica reside no fato de que elas traem e desfiguram as formas (idéias) instituídas
teoricamente quando as encarnam na matéria. Em alemão, um artista é alguém que
conhece algo e é capaz de fazê-lo; um substantivo que deriva do verbo “poder”,
mas também da palavra “artificial”. Estas estão fortemente inter-relacionadas;
cada um é impensável sobre os demais, e todos eles derivam de uma perspectiva
existencial diante do mundo. No entanto, essa conexão interna foi negada
durante séculos. A cultura moderna, burguesa, fez uma separação brusca entre o
mundo das artes e o mundo da técnica e das maquinas. A palavra design entrou
nessa brecha como uma espécie de ponte entre esses dois mundos. E por isso
design significa aproximadamente aquele lugar em que arte e técnica (e,
conseqüentemente, pensamentos, valorativo e cientifico) caminham juntas, com
pesos equivalentes, tornando possível uma nova forma de cultura. Embora essa
seja uma boa explicação, não é suficiente. Pois, afinal, o que une os termos
mencionados é o fato de que todos apresentam conotações de engodo e malicia. A
cultura para a qual o design poderá melhor preparar o caminho será aquela
consciente de sua astucia. A pergunta é: a quem e ao que enganamos quando nos
inscrevemos na cultura (na técnica e na arte, em suma, no design)? Esse é o
design que está na base de toda cultura: enganar a natureza por meio da
técnica. Tornamos-nos conscientes de que um ser humano é um design contra a
natureza. Como explicar essa desvalorização de todos os valores? Quando se
conseguiu superar a separação entre arte e técnica, abriu-se um horizonte dentro
do qual podemos criar designs cada vez mais perfeitos, libertar-nos cada vez
mais de nossa condição e viver de modo cada vez mais artificial (mais bonito).
Mas o preço que pagamos por isso é a renuncia à verdade e à autenticidade. Tudo
se converte em gadgets descartáveis. A palavra design adquiriu a posição
central que tem hoje no discurso cotidiano porque estamos começando (e
provavelmente com razão) a perder a fé na arte e na técnica como fontes de
valores. Porque estamos começando a entrever o design que há por trás delas.
Este ensaio segue um design determinado: ele quer trazer à luz aspectos
pérfidos e ardilosos da palavra design, que normalmente costumam ser ocultados.
Se ele tivesse seguido outro design, talvez pudesse surgir uma explicação distinta.
Mas é exatamente assim: tudo depende do design.
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O modo de ver do
designer
“A alma tem dois olhos: um olha o tempo, o outro olha para
longe, em direção à eternidade”. O olhar do primeiro olho conheceu, desde a
invenção do telescópio e do microscópio, uma serie de melhorias técnicas.
Quanto ao segundo olho, somente nos últimos anos é que se começou a dar os
primeiros passos em direção a seu aperfeiçoamento técnico. A capacidade de
olhar através do tempo em direção à eternidade, e de reproduzir o que foi visto
desse modo, tornou-se relevante. Naquele tempo, essas pessoas eram conhecidas
como profetas, mas hoje em dia seria preferível chamá-las de designers. Essa
diferença de avaliação do “segundo olho da alma” é bastante significativa:
acredita-se que ele não vê o futuro, mas a eternidade. Se seguirmos Platão (que
chamava de “teoria” o modo de ver do segundo olho da alma) perceberemos, por
meio dos fenômenos fugazes, formas eternas e imutáveis (“idéias”). Hoje vemos
as coisas de um modo um tanto distinto. Já não pensamos que descobrimos ou
descrevemos, mas que inventamos. Portanto, a geometria e a mecânica teórica são
um design ao qual submetemos aos fenômenos para poder tê-los sob controle.
Porém, se já não cremos, como Platão, que o designer dos fenômenos se encontra
no céu e tem de ser descoberto teoricamente, mas acreditamos que somos nós
mesmos que desenhamos os fenômenos, então porque será que eles têm precisamente
o aspecto que têm, em vez de terem o aspecto que gostaríamos que tivessem? Por
outro lado, não há dúvidas de que as formas são eternas, ou seja, não estão no
espaço nem no tempo. O olhar do designer é, sem dúvida, aquele olhar do segundo
olho da alma. Que aspecto tem realmente a eternidade? Qualquer que seja o seu
aspecto, ela poderia sempre, graças à geometria analítica, ser enquadrada em
equações. É o começo da tecnicização do segundo olho da alma. No entanto, por
mais estranho que pareça, essas formas imutáveis são passíveis de mudança:
podem deformar-se, girar, encolher e ampliar. E tudo o que surge desse processo
é igualmente uma forma eterna e imutável. O segundo olho da alma continua
olhando para a eternidade, mas agora consegue manipular essa eternidade. Esse é
o olhar do designer: ele possui uma espécie de olho-sentinela, graças ao qual deduz
e maneja eternidades.
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Design: obstáculo
para a remoção de obstáculos?
Um “objeto” é algo que está no meio, lançado no meio do
caminho. Um obstáculo que serve para remover obstáculos? Essa contradição
consiste na chamada “dialética interna da cultura” (cultura: totalidade dos
objetos em uso). Essa dialética pode ser resumida assim: eu topo com obstáculos
em meu caminho (topo com o mundo objetivo, objetal, problemático), venço alguns
desses obstáculos (transformo-os em objetos de uso, em cultura), como objetivo
de continuar seguindo, e esses objetos vencidos mostram-se eles mesmos como
obstáculos. Quanto mais longe vou, mais sou impedido pelos objetos de uso. E na
verdade sou duplamente obstruído por eles: primeiro, porque necessito deles
para prosseguir, e, segundo, porque estão sempre no meio do meu caminho. Em
outras palavras: quanto mias prossigo, mais a cultura se torna objetiva,
objetal e problemática. Com relação aos objetos de uso, cabe perguntar aqui de
onde e para que foram lançados em nosso caminho. Foram projetados, desenhados
no caminho por pessoas que nos precederam. São projetos, designs de que
necessito para progredir e que, ao mesmo tempo, obstruem meu progresso. Para
sair desse dilema, eu mesmo desenvolvo os projetos: eu os lanço objetos de uso
no caminho de outras pessoas. Essa é uma questão política e também estética, e
constitui o núcleo do tema configuração. Objetos de uso são mediações entre mim
e outros homens. São objetivos, intersubjetivos, dialógicos, comunicativos,
problemáticos e objetais. O processo de criação e configuração dos objetos
envolve a questão da responsabilidade (e, em conseqüência, da liberdade). A
responsabilidade é a decisão de responder por outros homens. Quando decido
responder pelo projeto que crio, enfatizo o aspecto intersubjetivo e, se
dedicar mais atenção ao objeto em si, mais irresponsavelmente o crio, mais ele
estorvará meus sucessores e encolherá o espaço da liberdade na cultura. O
progresso cientifico e técnico é tão atrativo que qualquer ato criativo ou
design concebido com responsabilidade é visto praticamente como retrocesso. O
design responsável é entendido como algo retrogrado Antigamente, “pagãos” eram
aqueles que se deixavam capturar pelo mundo objetivo e “ídolos” os objetos de
uso que podiam atrair, prender a atenção das pessoas. A cultura se encontra
caracteriza-se pelo culto aos ídolos. Começamos de fato a separar o conceito
objeto do conceito matéria, e a projetar objetos de uso imateriais. O
surgimento de uma “cultura imaterial” poderia ser menos obstrutivo, mas, pelo
contrário, pode ser que ela restrinja ainda mais a liberdade do que a cultura
material. A própria coisa imaterial o leva a criar de um modo responsável. Sua
face mediática, intersubjetiva, dialógica, é visível. Os objetos de usos são
obstáculos de que necessito para poder progredir e, quanto mais preciso deles,
mais os consumo. Toda matéria tende a perder sua forma (sua informação) e os
objetos de uso imateriais também vão para o lixo. Estamos começando a nos
tornar cada vez mais conscientes do caráter efêmero de todas as formas (e,
conseqüentemente, de toda criação). Pois os dejetos começam a obstruir nosso
caminho tanto quanto os utilitários.
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Uma ética do design
industrial?
A moralidade das coisas? O designer tinha como meta principal
a produção de objetos úteis, realizada com exatidão, isto é, tinha que estar de
acordo com os conhecimentos científicos, além de ter um aspecto bonito, apto a
se converter em uma experiência para o usuário. O ideal do construtor era
pragmático, funcional. As normas morais foram fixadas pelo publico. A questão
da moralidade das coisas, da responsabilidade moral e política do designer
adquiriram um novo significado no contexto atual. Existem pelo menos três
razões para isso. Primeiro, não há mais nenhum âmbito publico que estabeleça
normas. Segundo, a produção industrial, inclusive o design, desenvolveu-se até
se converter em uma complexa rede que serve de informações de diversas áreas. Terceiro,
no passado havia a aceitação tácita de que a responsabilidade moral por um
produto era simplesmente do usuário. Em outras palavras: o eventual
desinteresse dos designers por essas questões poderá levar a total ausência de
responsabilidade. O nazismo e a Guerra do Golfo mostram claramente que: a) não
existe mais norma alguma que se possa aplicar sobre a produção industrial; b) não
há um causador único de um delito; c) a responsabilidade está diluída a tal
ponto que nos encontramos efetivamente numa situação de absoluta
irresponsabilidade com relação àquelas ações que procedem da produção
industrial. Quem é, afinal, responsável por esse complexo pós-industrial? E
quem é responsável pela conduta que surge de uma rede de relações? Se não
formos capazes – além de toda ideologia – de encontrar minimamente um caminho
de aproximação a uma solução dos problemas étnicos do design, então fenômenos
parecidos haverão de representar unicamente os primeiros estágios da destruição
e da autodestruição. O fato de que começamos a fazer perguntas é motivo de
esperança.
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Design como teologia
No séc. XIX pensava assim: Ocidente é Ocidente e Oriente é
Oriente; e os dois jamais podem encontrar-se. Tratava-se de uma opinião baseada
num conhecimento profundo: no Ocidente, as pessoas não querem morrer, no
entanto têm de fazê-lo; no Oriente, as pessoas não querem viver (pois a vida é
considerada um sofrimento), no entanto é necessário reencarnar. Mas quando
sustentamos na mão um equipamento eletrônico japonês (como um rádio portátil),
compreendemos que o abismo começa a se fechar. Não há nada mais fácil do que
banalizar esse acontecimento até agora inédito. O rádio portátil é um produto
da ciência aplicada ocidental e seu design é japonês. O design não segue a
função, mas os mercadores a bordo de seus barcos ou ao longo das rotas da seda.
O rádio portátil japonês certamente não impõe à ciência aplicada do Ocidente
uma forma oriental, mas trata-se de uma síntese em que ambos se complementam
mutuamente. Se pensarmos bem, essa é uma afirmação estarrecedora. A ciência
ocidental existe graças a essa distância, que se torna possível por meio da
teoria e se abre quando nos posicionamos de forma critica ou cética com relação
ao mundo dos fenômenos. A forma das coisas orientais tem seu fundamento em uma
vivencia concreta muito especifica, graças à qual o homem e o mundo se fundem
um com o outro. Entre as teorias cientificas e a experiência concreta de uma
unidade inseparável abre-se o abismo de que falávamos. Pode ser que vejamos
mais de perto esse problema (decisivo para o futuro) se tentarmos confrontar o
conceito ocidental de design com noções orientais. Do nosso ponto de vista, o
design é freqüentemente visto como a imposição de uma forma sobre uma massa
informe. Naturalmente há que se aceitar que nenhum desenho pode ser “perfeito”,
coincidir completamente com o modelo teórico segundo o qual foi criado. Esse é
um problema nosso com o design. No Extremo Oriente podemos observar como surgem
formas entre as mãos dos orientais como ideogramas. Não se trata de uma idéia
imposta sobre algo amorfo; trata-se de fazer surgir de si mesmo e do mundo
circundante uma forma que abarque ambos. O design seria, pois, uma espécie de
imersão no não-eu, graças à qual o eu sobretudo se configura. Enquanto no
Ocidente o design revela um homem que interfere no mundo, no Oriente ele é
muito mais o modo como os homens emergem do mundo para experimentá-lo. Se
considerarmos a palavra estético em seu significado originário (isto é, no
sentido de “experimentável”, de “vivenciável”), podemos afirmar que o design no
Oriente é puramente estético. Em todo design desse tipo se expressa a peculiar
qualidade estética da fusão com o ambiente, da dissolução do eu. Um olhar
treinado em fenomenologia deveria detectar esse fenômeno tanto no rádio
portátil, em um Toyota
e na câmera fotográfica, como na comida japonesa. Essa afirmação é
estarrecedora pela seguinte razão: a ciência natural e a técnica nela baseada
só poderiam ter surgido em solo ocidental. Pressupõem a distância teórica, mas
também a convicção judaica de que é necessário mudar a si mesmo. No fundo, a
ciência é um método para descobrir o Deus judaico-cristão sobre a Terra. Se
transplantássemos a ciência e a técnica para um design do Extremo Oriente,
ambas deveriam alterar sua essência. Nossa ciência é um discurso lógico, e esse
discurso está codificado alfanumericamente. Em outras palavras: a ciência
descreve e calcula a natureza segundo as regras da escrita e do pensamento
lineares. A motivação da ciência é estar de posse pela natureza descrita e
calculada, no sentido de elevar o saber ao poder. No Extremo Oriente não existe
nenhum código estruturalmente comparável ao alfanumérico. A ciência e a
tecnologia lá são exclusivamente inglesas e pensáveis em nosso sistema de
números. No entanto, o código alfanumérico está começando agora a ser abandonado
em beneficio dos códigos orientais (ideogramas) do que com os lineares, de modo
que agora ciência e tecnologia no Extremo Oriente se tornam tão compreensíveis
como no Ocidente. Há agora outra motivação por trás delas. Visto a partir do
Ocidente, o que está ocorrendo pode ser interpretado como uma desintegração das
estruturas básicas da cultura ocidental. De uma perspectiva “mais elevada”,
talvez se possa falar atualmente de uma influencia ocidental no Extremo Oriente
e vice-versa. Talvez o que se faça evidente no design dos produtos
pós-industriais (“pós-modernos”?) seja essa mútua subversão. Se, como parece
ser o caso, o transplante da ciência e da tecnologia ocidentais para o Extremo
Oriente conduz a uma diluição das duas culturas, então cabe falar efetivamente
de uma “cultura de massas”. Mas também podemos tentar compreender o atual
processo de encontro entre Ocidente e Oriente de outro modo. O que aconteceria se
no design dos produtos pós-industriais se pudesse se manifestar um novo
sentimento existencial? Essas duas atitudes excludentes entre si podem (ou
devem) fundir-se uma na outra. Seria necessário submeter esse design a uma
análise “teológica” para poder saber se a atitude diante da vida e da morte
está se situando em um novo plano? Será que esse design não é expressão de um
cristianismo judaico “elevado”, de um budismo “elevado”? Essa é uma hipótese
ousada, aventurosa. Aproximar-se desse assunto é precisamente o objetivo do
presente artigo, que no entanto deve confessar que considera o proposto aqui
como provisório. Ele deve ser lido como ensaio, isto é, como a tentativa de
formular uma hipótese.
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