Ao estudar a "Sociedade Disciplinar", Foucault
constata que a sua singularidade reside na existência do Desvio diante a Norma.
E assim, para "normalizar" o sujeito moderno, foram desenvolvidos
mecanismos e dispositivos de vigilância, capazes de interiorizar a culpa e
causar no indivíduo remorsos pelos seus atos.
Fonte: http://www.educ.fc.ul.pt/ |
Dentre os dispositivos de vigilância do início
do século, podemos destacar o Panóptico, de Jeremy Bentham, um mecanismo
arquitetural, utilizado para o domínio da distribuição de corpos em
diversificadas superfícies (prisões, manicômios, escolas, fábricas). O Panóptico era um
edifício em forma de anel, no meio do qual havia um pátio com uma torre no
centro. O anel dividia-se em pequenas celas que davam tanto para o interior
quanto para o exterior. Em cada uma dessas pequenas celas, havia, segundo o
objetivo da instituição, uma criança aprendendo a escrever, um operário a
trabalhar, um prisioneiro a ser corrigido, um louco tentando corrigir a sua
loucura, etc. Na torre havia um vigilante.
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Como cada cela dava ao mesmo tempo para o
interior e para o exterior, o olhar do vigilante podia atravessar toda a cela;
não havia nenhum ponto de sombra e, por conseguinte, tudo o que o indivíduo
fazia estava exposto ao olhar de um vigilante que observava através de
persianas, de postigos semi-cerrados de modo a poder ver tudo sem que ninguém
ao contrário pudesse vê-lo.
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O panoptismo corresponde à observação total, é a tomada
integral por parte do poder disciplinador da vida de um indivíduo. Ele é
vigiado durante todo o tempo, sem que veja o seu observador, nem que saiba em
que momento está a ser vigiado. Dissociando-se o par ver/ser visto, automatiza-se e
desinvidualiza-se o poder.
O Panóptico organiza espaços que permitem ver, sem ser
vistos, portanto, uma garantia de ordem. Assim, a vigilância torna-se
permanente nos seus efeitos, mesmo que não fosse na sua ação. Mais importante
do que vigiar o prisioneiro o tempo inteiro, era que o mesmo se soubesse
vigiado. Logo, não era finalidade do Panóptico fazer com que as pessoas fossem
punidas, mas que nem tivessem a oportunidade para cometer o mal, pois
sentiriam-se mergulhadas, imersas num campo de visibilidade. Em suma, o Panóptico desfaz a necessidade de combater a
violência física com outra violência física, combatendo-a antes, com mecanismos
de ordem psicológica.
A essência do Panóptico reside na centralidade da situação
de inspeção, ou na construção, sem duvida ficcional, de uma espécie de
"inspetor central", onipotente, onipresente e, principalmente, onividente.
O Panóptico (...) deve ser compreendido como um modelo
generalizável de funcionamento; uma maneira de definir as relações de poder com
a vida cotidiana dos homens. Bentham sem duvida o apresenta como uma
instituição particular, bem fechada em si mesma. muitas vezes se fez dele uma
utopia do encarceramento perfeito. Todo o Panóptico, na verdade, é estruturado como uma ficção.
É precisamente a aparente onipresença do inspetor que sustenta a perfeita
disciplina no Panóptico, controlando os movimentos de transgressão entre os
internos. Entretanto, como a onipresença não pode ser um atributo humano, resta
forjá-la, simulá-la, quer por rondas aleatórias, quer pela arquitetura do
lugar, que permite a cada um dentro das celas ser facilmente visto, ao mesmo
tempo em que dificilmente vê quem o vê. Em última análise, o inspetor perfeito, o inspetor onipresente,
é aquele que nunca aparece - mas que pode aparecer a qualquer instante. O inspetor
perfeito é, enfim, uma voz, um olho, um ofício carimbado, uma sombra indistinta
no fundo do corredor.
Neste tipo de instituições, nós somos vistos, ou pensamos que
somos vistos, sem vermos aquele que vê, nós escutamos uma voz, sem vermos o
dono da voz. O Panóptico deve ser governado por um olhar e por uma voz desconectados
do seu portador. O inspetor torna-se, então, uma espécie de fantasma. Em última
instância, é uma entidade de ficção - ele não existe. Justamente por isto, ele
pode provocar um medo superior ao de um guarda real, por mais cruel que esse
guarda fosse.
O esquema Panóptico pode ser utilizado sempre que se deseja
impor uma tarefa ou um comportamento a uma multiplicidade de indivíduos. O Panóptico (...) permite aperfeiçoar o exercício do poder.
E isto de várias, maneiras: porque pode reduzir o número dos que o exercem, ao
mesmo tempo que multiplica o número daqueles sobre os quais é exercido (...)
Sua força é nunca intervir, é se exercer espontaneamente e sem ruído (...)
Vigiar todas as dependências onde se quer manter o domínio e o controle. Mesmo
quando não há realmente quem, assista do outro lado, o controle é exercido. O
importante é (...) que as pessoas se encontrem presas numa situação e poder de
que elas mesmas são as portadoras (...) o essencial é que elas se saibam
vigiadas.
As instituições panópticas são leves e fáceis de manipular,
utilizam princípios simples de correção e adestramento. É uma espécie de campo
experimental de poder, assegura a sua economia, a sua eficácia e o seu
funcionamento.
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