"(...) A arquitetura não pode ser outra coisa senão o interesse pela vida cotidiana, tal como vivida por todas as pessoas; é como o vestuário, que não deve apenas nos vestir, mas ajustar-se bem a nós. O essencial é que, seja lá o que se faça, onde quer que se organize o espaço e de que maneira, ele terá inevitavelmente certo grau de influência sobre a situação das pessoas. A arquitetura, na verdade, tudo aquilo que se constrói, não pode deixar de desempenhar algum tipo de papel nas vidas das pessoas que a usam, e a principal tarefa do arquiteto, quer ele goste, quer não, é cuidar para que tudo o que faz seja adequado a todas estas situações. Não é apenas uma questão de eficácia no sentido de ser prático ou não, mas de verificar se o projeto está corretamente afinado com as relações normais entre as pessoas e se ele afirma a igualdade de todas as pessoas. Toda intervenção nos ambientes das pessoas, seja qual for o objetivo específico do arquiteto, tem uma implicação social. A arte da arquitetura não consiste apenas em fazer coisas belas – nem em fazer coisas úteis, mas em fazer ambas ao mesmo tempo. Tudo o que projetamos deve ser adequado a cada situação que surja; em outras palavras, não deve ser apenas confortável mas também estimulante – e é esta adequação fundamental e ativa que eu gostaria de designar como ‘forma convidativa’: a forma que possui mais afinidade com as pessoas."
Fonte: Google Imagens |
“Quando discutimos nosso
próprio trabalho, temos de nos perguntar o que adquirimos de quem. Pois tudo o
que descobrimos vem de algum lugar. A fonte não foi nossa própria mente, mas a
cultura a que pertencemos. (...) Tudo o que é absorvido e registrado por nossa mente
soma-se à coleção de idéias armazenadas na memória. Uma espécie de biblioteca
que podemos consultar toda vez que surge um problema. Assim, essencialmente,
quanto mais tivermos visto, experimentado e absorvido, mais pontos de
referência teremos para nos ajudar a decidir que direção tomar: nosso quadro de
referência se expande. A capacidade para descobrir uma solução fundamentalmente
diferente para um problema, i.e., para criar “um mecanismo” diferente, depende
da riqueza de nossa experiência (...)”.
A) Domínio Público
1 – Público e Privado
Pública é uma área acessível
a todos a qualquer momento; a responsabilidade por sua manutenção é assumida
coletivamente. Privada é uma área cujo acesso é determinado por um pequeno
grupo ou por uma pessoa, que tem a responsabilidade de mantê-la. (...) Não
existe uma única relação humana que nos interesse como arquitetos que se
concentre exclusivamente em um individuo ou em um grupo (...), é sempre uma
questão de pessoas e grupos em inter-relação e compromisso mútuo, i.e., é
sempre uma questão de coletividade e indivíduo, um em face do outro. Se, porém, o individualismo
compreende apenas parte da humanidade, o coletivismo só compreende a humanidade
como parte; nenhum deles apreende o todo da humanidade, a humanidade como um
todo. Os conceitos de “público” e
“privado” podem ser vistos e compreendidos em termos relativos como uma série
de qualidades espaciais que, diferindo gradualmente, referem-se ao acesso, à
responsabilidade, à relação entre a propriedade privada e a supervisão de
unidades espaciais especificas.
2 – Demarcações Territoriais
Um espaço pode ser concebido
como público ou privado dependendo do grau de acesso, da forma de supervisão,
de quem o utiliza, de quem toma conta dele e de suas respectivas responsabilidades.
As gradações de demarcações
territoriais são acompanhadas pela sensação de acesso. As vezes é uma questão
de legislação, mas, em geral, é exclusivamente uma questão de convenção,
respeitada por todos.
Os termos público e privado
são colocados a prova e tidos como inadequados, pois muitas vezes o espaço público é utilizado para interesses
particulares, o que coloca seu caráter em questão por meio do uso além de
fortalecer a demarcação por parte do usuário dessa área aos olhos dos outros.
Foram usados como exemplos as ruas e residências em Bali, os edifícios públicos,
a Aldeia de Mörbisch na Áustria, a Biblioteca Nacional em Paris / H. Labrouste
e o Edifício de Escritórios Centraal Beheer em Alpeldoorn. O
arquiteto tem importante papel nas demarcações territoriais e nas
possibilidades de acesso podendo trabalhar com formas, materiais, cores e luz
utilizadas além da articulação entre as dependências do projeto.
3 – Diferenciação Territorial
Na planta podemos observar as gradações de acesso público
às partes de um edifício, que mostram as características dessas áreas de modo
que se possa intensificar ou atenuar a construção posteriormente.
4 – Zoneamento Territorial
As características de cada
área dependem de quem se sente responsável por ela. Foram usados como exemplo o
Edifício de Escritórios Centraal Beheer, em Alpeldoorn, a Faculdade de
Arquitetura do MIT em Cambridge, USA, a Escola Montessori em Delft e o Centro
Musical Vredenburg em
Utrecht. Em todos esses exemplos a influência dos usuários
poderia ser ou foi estimulada para o envolvimento necessário entre a estrutura
organizacional e os mesmos.
5 – De Usuário a Morador
Um arquiteto precisa ter tato
para criar condições para um maior envolvimento no arranjo e no mobiliamento de
uma área para que, enfim, os usuários se tornem moradores. A Escola Montessori
em Delft e as Escolas Apollo em Amsterdam ilustram bem essa situação. Como um
“ninho seguro” essas escolas proporcionam aos usuários uma sensação de
proteção, um lugar que se possa chamar de “meu”.
6 – O “Intervalo”
A soleira fornece a chave
para a transição e a conexão entre áreas com demarcações territoriais
divergentes e, na qualidade de um lugar por direito próprio, constitui,
essencialmente, a condição espacial para o encontro e o dialogo entre áreas de
ordens diferentes, o público e o privado. Como exemplo temos a Escola
Montessori, Delft, De Overloop, Lar para Idosos, Almere, De Drie Hoven, Lar
para Idosos, Amsterdam, Residências Documenta Urbana, Kassel, Alemanha e Cité
Napoléon, Paris / M. H. Veugny. Nesses espaços, a concretização da soleira como
intervalo significa, em primeiro lugar e acima de tudo, criar um espaço para as
boas-vindas e as despedidas, sendo de suma importância para o contato social.
7 – Demarcações Privadas no Espaço Público
O conceito de intervalo é a
chave para eliminar a divisão rígida entre áreas com diferentes demarcações
territoriais. A questão etsá, portanto, em criar espaços intermediários que,
embora do ponto de vista administrativo possam pertencer tanto ao domínio
publico quanto ao privado, sejam igualmente acessíveis para ambos os lados,
isto é, quando é inteiramente aceitável, para ambos os lados, que o “outro”
também possa usá-lo. Assim temos o De Drie Hoven, Lar para Idosos, Amsterdam,
as Residências Diagoon, Delft e as Moradias LiMa, Berlim. Nesses espaços os
moradores sentem-se mais inclinados a expandir sua esfera de influencia em
direção a área publica, aprimorando a qualidade do espaço publico pelo
interesse comum. Há até mesmo uma área da rua com a qual os moradores estão
envolvidos , onde marcas individuais são criadas por eles próprios e que é
apropriada conjuntamente e transformada num espaço comunitário.
8 – Conceito de Obra Pública
O segredo é dar aos espaços
públicos uma forma tal que a comunidade se sinta pessoalmente responsável por
eles, fazendo com que cada membro da comunidade contribua à sua maneira para um
ambiente com o qual possa se relacionar e se identificar. Os serviços prestados
pelos órgãos municipais são, normalmente, tidos como “abstrações opressivas”; é
como se as obras públicas fossem uma imposição vinda de cima; o homem comum
sente que “não tem nada a ver com ele”, e, deste modo, o sistema produz um
sentimento generalizado de alienação. As Moradias Vroesenlaan, Rotterdam / J.
H. van den Broek e o De Drie Hoven, Lar para Idosos, Amsterdam ilustram como as
melhores intenções podem levar á indiferença. As coisas começam a dar errado
quando as escalas se tornam grandes demais e quando a conservação e a
administração de uma área comunitária não podem mais ser entregues àqueles que
estão diretamente envolvidos. Quando a burocracia assume o controle, as regras
tornam-se uma camisa-de-força de regulamentos. O crescimento do nível de
controle imposto de cima para baixo está abrindo caminho para a agressividade,
que, por sua vez, conduz a um enrijecimento ainda maior da teia de
regulamentos. O resultado é um círculo vicioso, a falta de comprometimento e o
medo exagerado do caos alimentando-se mutuamente. O arquiteto pode contribuir
para criar um ambiente que ofereça muito mais oportunidades para que as pessoas
deixem suas marcas e identificações pessoais, que possa ser apropriado e
anexado por todos como um lugar que realmente lhes “pertença”. Construído com
entidades pequenas e funcionais que proporcionem uso intenso para apelar em
favor da descentralização das responsabilidades.
9 – A Rua
Mundo hostil de vandalismo ou
agressão ou lugar de contato social entre os moradores? A desvalorização da rua
pode ser atribuída a muitos fatores, entre eles o aumento do trafego motorizado
e as melhores condições de vida da população, que tendem a passar mais tempo
dentro de casa. No âmbito da organização espacial o arquiteto pode estimular as
“ruas de convivência” onde os adultos podem interagir e as crianças brincar. Seu
conceito está baseado na idéia de que os moradores têm algo em comum,
expectativas mútuas. Assim as unidades de habitação também funcionam melhor
quando estão localizadas em espaços de convivência. Isto é determinado em
grande parte pelo planejamento e pelo detalhamento do layout da vizinhança. Em
bairros residenciais devemos dar à rua a qualidade de uma sala de estar para a
interação cotidiana e para as ocasiões especiais entre os membros da
comunidade. Tão importante quanto a disposição relativa das unidades
residenciais umas em relação às outras é a colocação das janelas, sacadas,
varandas, terraços, patamares, degraus das portas, alpendres... Casas e ruas
são complementares: a qualidade de uma depende da qualidade da outra.
10 – O Domínio Público
10 – O Domínio Público
Se as casas são domínios
privados, a rua é o domínio publico. A rua foi, originalmente, o espaço para
ações, revoluções, celebrações, e ao longo de toda a história podemos ver como,
de um período para o outro, os arquitetos projetaram o espaço publico no
interesse da comunidade a que de fato serviam. Este, portanto, é um apelo para
se dar mais ênfase ao tratamento do domínio publico, para que este possa
funcionar não só para estimular a interação social como também para refleti-la.
11 – O Espaço Público como Ambiente Construído
11 – O Espaço Público como Ambiente Construído
Até
o séc. XIX havia poucos edificios publicos, e mesmo estes não o eram de maneira
integral. O acesso público a edifícios como igrejas sofria certas restrições,
impostas pelos encarregados de sua manutenção ou pelos proprietários. Os
verdadeiros espaços públicos estavam quase sempre ao ar livre. Os tipos de
edifício que foram desenvolvidos nesse período formaram os blocos de construção
para a cidade, mais convidativos e hospitaleiros. A (r)evolução industrial
abriu um novo mercado de massa. A aceleração e a massificação dos sistemas de
produção e distribuição conduziram à criação de lojas de departamento,
exposições, mercados cobertos, estações ferroviárias e metrõ, e conseqüente
aumento do turismo. A razão mais importante para o intercambio social sempre
foi o comercio, que em todas as formas de vida comunitária sempre ocorre em
certas medidas nas ruas, onde cidade e campo se encontram e onde as noticias
correm.
12 – O Acesso Público ao Espaço Privado
12 – O Acesso Público ao Espaço Privado
Embora os grandes edifícios
que tem como objetivo ser acessíveis para o maior numero possível de pessoas
não fiquem permanentemente abertos implicam uma expansão fundamental e
considerável do mundo publico. Os exemplos mais característicos desta mudança
de ênfase são as galerias. As galerias serviam em primeiro lugar para explorar
os espaços interiores abertos e eram empreendimentos comerciais por onde
circulavam os pedestres, graças à ausência de transito. As passagens altas e
compridas, iluminadas de cima graças ao telhado de vidro, nos dão a sensação de
um interior: deste modo estamos do lado de “dentro” e de “fora” ao mesmo tempo.
Na medida em que a oposição entre as massas do dos edifícios e o espaço da rua
serve para distinguir – grosso modo – o mundo privado do publico, o domínio
privado circunscrito é transcendido pela inclusão de galerias. O espaço
interior se torna mais acessível, enquanto o tecido das ruas se torna mais
unido. A cidade é virada pelo avesso, tanto espacialmente quanto no que
concerne ao principio do acesso. O abandono do assentamento de quadras num
perímetro fechado, no urbanismo do século XX, significou a desintegração da
definição espacial nítida dada pelo padrão da rua. Esse novo tipo de
assentamento urbano individualizou as fachadas, privatizou as entradas e
afastou os edifícios uns dos outros, tornando maior a oposição entre publico e
privado. Por isso os arquitetos modernos objetivam a melhoria dos edifícios por
meio de um assentamento de melhor qualidade. Devemos considerar a qualidade do
espaço das ruas e dos edifícios relacionando-os uns aos outros, com uma relação
de reciprocidade. Embora a expressão da relatividade dos conceitos de interior
e exterior seja uma questão de organização espacial, o fato de uma área tender
para uma atmosfera mais parecida com a da rua ou com a de um interior depende
da qualidade do espaço, de suas dimensões, da forma e da escolha dos materiais.
É a união de interior e exterior e a conseqüente ambigüidade que intesificam a
percepção de acesso espacial e de intimidade. O uso de uma área, o sentido de
responsabilidade por ela e o cuidado
dispensado a ela encontram-se todos ligados às demarcações territoriais e à
administração. Mas a arquitetura, graças as qualidades evocativas de todas as
imagens explicitamente espaciais, formas e materiais, possui a capacidade de
estimular determinados tipos de uso.
Fonte: Lições de Arquitetura, de Herman Hertzberger
Onde eu baixo esse livro
ResponderExcluirnao consigo compralo esta indisponivel
Bj8s
Onde eu baixo esse livro
ResponderExcluirnao consigo compralo esta indisponivel
Bj8s
Perfeito, li esse capítulo, e você o descreve muito bem, esses trechos das lições do livro são essenciais e de fácil entendimento, projetar pensando no bem estar social, aos arquitetos e futuros arquitetos um ótimo livro. Parabéns linda adorei :*
ResponderExcluirOi queria muito o capitulo B
ResponderExcluirtambém queria o B
ExcluirEstou precisando do capítulo b alguém me ajuda tá difícil achar
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