domingo, 26 de setembro de 2010

Lições de Arquitetura, de Herman Hertzberger

Neste livro, o arquiteto holandês Herman Hertzberger transmite algumas lições sobre o fazer arquitetônico na atualidade. Sua leitura é um convite à análise do sentido da profissão do arquiteto.
"(...) A arquitetura não pode ser outra coisa senão o interesse pela vida cotidiana, tal como vivida por todas as pessoas; é como o vestuário, que não deve apenas nos vestir, mas ajustar-se bem a nós. O essencial é que, seja lá o que se faça, onde quer que se organize o espaço e de que maneira, ele terá inevitavelmente certo grau de influência sobre a situação das pessoas. A arquitetura, na verdade, tudo aquilo que se constrói, não pode deixar de desempenhar algum tipo de papel nas vidas das pessoas que a usam, e a principal tarefa do arquiteto, quer ele goste, quer não, é cuidar para que tudo o que faz seja adequado a todas estas situações. Não é apenas uma questão de eficácia no sentido de ser prático ou não, mas de verificar se o projeto está corretamente afinado com as relações normais entre as pessoas e se ele afirma a igualdade de todas as pessoas. Toda intervenção nos ambientes das pessoas, seja qual for o objetivo específico do arquiteto, tem uma implicação social. A arte da arquitetura não consiste apenas em fazer coisas belas – nem em fazer coisas úteis, mas em fazer ambas ao mesmo tempo. Tudo o que projetamos deve ser adequado a cada situação que surja; em outras palavras, não deve ser apenas confortável mas também estimulante – e é esta adequação fundamental e ativa que eu gostaria de designar como ‘forma convidativa’: a forma que possui mais afinidade com as pessoas." 
Fonte: Google Imagens
 Prefácio
“Quando discutimos nosso próprio trabalho, temos de nos perguntar o que adquirimos de quem. Pois tudo o que descobrimos vem de algum lugar. A fonte não foi nossa própria mente, mas a cultura a que pertencemos. (...) Tudo o que é absorvido e registrado por nossa mente soma-se à coleção de idéias armazenadas na memória. Uma espécie de biblioteca que podemos consultar toda vez que surge um problema. Assim, essencialmente, quanto mais tivermos visto, experimentado e absorvido, mais pontos de referência teremos para nos ajudar a decidir que direção tomar: nosso quadro de referência se expande. A capacidade para descobrir uma solução fundamentalmente diferente para um problema, i.e., para criar “um mecanismo” diferente, depende da riqueza de nossa experiência (...)”.
A) Domínio Público
1 – Público e Privado
Pública é uma área acessível a todos a qualquer momento; a responsabilidade por sua manutenção é assumida coletivamente. Privada é uma área cujo acesso é determinado por um pequeno grupo ou por uma pessoa, que tem a responsabilidade de mantê-la. (...) Não existe uma única relação humana que nos interesse como arquitetos que se concentre exclusivamente em um individuo ou em um grupo (...), é sempre uma questão de pessoas e grupos em inter-relação e compromisso mútuo, i.e., é sempre uma questão de coletividade e indivíduo, um em face do outro. Se, porém, o individualismo compreende apenas parte da humanidade, o coletivismo só compreende a humanidade como parte; nenhum deles apreende o todo da humanidade, a humanidade como um todo. Os conceitos de “público” e “privado” podem ser vistos e compreendidos em termos relativos como uma série de qualidades espaciais que, diferindo gradualmente, referem-se ao acesso, à responsabilidade, à relação entre a propriedade privada e a supervisão de unidades espaciais especificas.
2 – Demarcações Territoriais
Um espaço pode ser concebido como público ou privado dependendo do grau de acesso, da forma de supervisão, de quem o utiliza, de quem toma conta dele e de suas respectivas responsabilidades.
As gradações de demarcações territoriais são acompanhadas pela sensação de acesso. As vezes é uma questão de legislação, mas, em geral, é exclusivamente uma questão de convenção, respeitada por todos.
Os termos público e privado são colocados a prova e tidos como inadequados, pois muitas vezes  o espaço público é utilizado para interesses particulares, o que coloca seu caráter em questão por meio do uso além de fortalecer a demarcação por parte do usuário dessa área aos olhos dos outros. Foram usados como exemplos as ruas e residências em Bali, os edifícios públicos, a Aldeia de Mörbisch na Áustria, a Biblioteca Nacional em Paris / H. Labrouste e o Edifício de Escritórios Centraal Beheer em Alpeldoorn. O arquiteto tem importante papel nas demarcações territoriais e nas possibilidades de acesso podendo trabalhar com formas, materiais, cores e luz utilizadas além da articulação entre as dependências do projeto.
3 – Diferenciação Territorial
Na planta podemos observar as gradações de acesso público às partes de um edifício, que mostram as características dessas áreas de modo que se possa intensificar ou atenuar a construção posteriormente.
4 – Zoneamento Territorial
As características de cada área dependem de quem se sente responsável por ela. Foram usados como exemplo o Edifício de Escritórios Centraal Beheer, em Alpeldoorn, a Faculdade de Arquitetura do MIT em Cambridge, USA, a Escola Montessori em Delft e o Centro Musical Vredenburg em Utrecht. Em todos esses exemplos a influência dos usuários poderia ser ou foi estimulada para o envolvimento necessário entre a estrutura organizacional e os mesmos.
5 – De Usuário a Morador
Um arquiteto precisa ter tato para criar condições para um maior envolvimento no arranjo e no mobiliamento de uma área para que, enfim, os usuários se tornem moradores. A Escola Montessori em Delft e as Escolas Apollo em Amsterdam ilustram bem essa situação. Como um “ninho seguro” essas escolas proporcionam aos usuários uma sensação de proteção, um lugar que se possa chamar de “meu”.
6 – O “Intervalo”
A soleira fornece a chave para a transição e a conexão entre áreas com demarcações territoriais divergentes e, na qualidade de um lugar por direito próprio, constitui, essencialmente, a condição espacial para o encontro e o dialogo entre áreas de ordens diferentes, o público e o privado. Como exemplo temos a Escola Montessori, Delft, De Overloop, Lar para Idosos, Almere, De Drie Hoven, Lar para Idosos, Amsterdam, Residências Documenta Urbana, Kassel, Alemanha e Cité Napoléon, Paris / M. H. Veugny. Nesses espaços, a concretização da soleira como intervalo significa, em primeiro lugar e acima de tudo, criar um espaço para as boas-vindas e as despedidas, sendo de suma importância para o contato social.
7 – Demarcações Privadas no Espaço Público
O conceito de intervalo é a chave para eliminar a divisão rígida entre áreas com diferentes demarcações territoriais. A questão etsá, portanto, em criar espaços intermediários que, embora do ponto de vista administrativo possam pertencer tanto ao domínio publico quanto ao privado, sejam igualmente acessíveis para ambos os lados, isto é, quando é inteiramente aceitável, para ambos os lados, que o “outro” também possa usá-lo. Assim temos o De Drie Hoven, Lar para Idosos, Amsterdam, as Residências Diagoon, Delft e as Moradias LiMa, Berlim. Nesses espaços os moradores sentem-se mais inclinados a expandir sua esfera de influencia em direção a área publica, aprimorando a qualidade do espaço publico pelo interesse comum. Há até mesmo uma área da rua com a qual os moradores estão envolvidos , onde marcas individuais são criadas por eles próprios e que é apropriada conjuntamente e transformada num espaço comunitário.
8 – Conceito de Obra Pública
O segredo é dar aos espaços públicos uma forma tal que a comunidade se sinta pessoalmente responsável por eles, fazendo com que cada membro da comunidade contribua à sua maneira para um ambiente com o qual possa se relacionar e se identificar. Os serviços prestados pelos órgãos municipais são, normalmente, tidos como “abstrações opressivas”; é como se as obras públicas fossem uma imposição vinda de cima; o homem comum sente que “não tem nada a ver com ele”, e, deste modo, o sistema produz um sentimento generalizado de alienação. As Moradias Vroesenlaan, Rotterdam / J. H. van den Broek e o De Drie Hoven, Lar para Idosos, Amsterdam ilustram como as melhores intenções podem levar á indiferença. As coisas começam a dar errado quando as escalas se tornam grandes demais e quando a conservação e a administração de uma área comunitária não podem mais ser entregues àqueles que estão diretamente envolvidos. Quando a burocracia assume o controle, as regras tornam-se uma camisa-de-força de regulamentos. O crescimento do nível de controle imposto de cima para baixo está abrindo caminho para a agressividade, que, por sua vez, conduz a um enrijecimento ainda maior da teia de regulamentos. O resultado é um círculo vicioso, a falta de comprometimento e o medo exagerado do caos alimentando-se mutuamente. O arquiteto pode contribuir para criar um ambiente que ofereça muito mais oportunidades para que as pessoas deixem suas marcas e identificações pessoais, que possa ser apropriado e anexado por todos como um lugar que realmente lhes “pertença”. Construído com entidades pequenas e funcionais que proporcionem uso intenso para apelar em favor da descentralização das responsabilidades.
9 – A Rua
Mundo hostil de vandalismo ou agressão ou lugar de contato social entre os moradores? A desvalorização da rua pode ser atribuída a muitos fatores, entre eles o aumento do trafego motorizado e as melhores condições de vida da população, que tendem a passar mais tempo dentro de casa. No âmbito da organização espacial o arquiteto pode estimular as “ruas de convivência” onde os adultos podem interagir e as crianças brincar. Seu conceito está baseado na idéia de que os moradores têm algo em comum, expectativas mútuas. Assim as unidades de habitação também funcionam melhor quando estão localizadas em espaços de convivência. Isto é determinado em grande parte pelo planejamento e pelo detalhamento do layout da vizinhança. Em bairros residenciais devemos dar à rua a qualidade de uma sala de estar para a interação cotidiana e para as ocasiões especiais entre os membros da comunidade. Tão importante quanto a disposição relativa das unidades residenciais umas em relação às outras é a colocação das janelas, sacadas, varandas, terraços, patamares, degraus das portas, alpendres... Casas e ruas são complementares: a qualidade de uma depende da qualidade da outra.  
10 – O Domínio Público
Se as casas são domínios privados, a rua é o domínio publico. A rua foi, originalmente, o espaço para ações, revoluções, celebrações, e ao longo de toda a história podemos ver como, de um período para o outro, os arquitetos projetaram o espaço publico no interesse da comunidade a que de fato serviam. Este, portanto, é um apelo para se dar mais ênfase ao tratamento do domínio publico, para que este possa funcionar não só para estimular a interação social como também para refleti-la.  
11 – O Espaço Público como Ambiente Construído
Até o séc. XIX havia poucos edificios publicos, e mesmo estes não o eram de maneira integral. O acesso público a edifícios como igrejas sofria certas restrições, impostas pelos encarregados de sua manutenção ou pelos proprietários. Os verdadeiros espaços públicos estavam quase sempre ao ar livre. Os tipos de edifício que foram desenvolvidos nesse período formaram os blocos de construção para a cidade, mais convidativos e hospitaleiros. A (r)evolução industrial abriu um novo mercado de massa. A aceleração e a massificação dos sistemas de produção e distribuição conduziram à criação de lojas de departamento, exposições, mercados cobertos, estações ferroviárias e metrõ, e conseqüente aumento do turismo. A razão mais importante para o intercambio social sempre foi o comercio, que em todas as formas de vida comunitária sempre ocorre em certas medidas nas ruas, onde cidade e campo se encontram e onde as noticias correm.  
12 – O Acesso Público ao Espaço Privado
Embora os grandes edifícios que tem como objetivo ser acessíveis para o maior numero possível de pessoas não fiquem permanentemente abertos implicam uma expansão fundamental e considerável do mundo publico. Os exemplos mais característicos desta mudança de ênfase são as galerias. As galerias serviam em primeiro lugar para explorar os espaços interiores abertos e eram empreendimentos comerciais por onde circulavam os pedestres, graças à ausência de transito. As passagens altas e compridas, iluminadas de cima graças ao telhado de vidro, nos dão a sensação de um interior: deste modo estamos do lado de “dentro” e de “fora” ao mesmo tempo. Na medida em que a oposição entre as massas do dos edifícios e o espaço da rua serve para distinguir – grosso modo – o mundo privado do publico, o domínio privado circunscrito é transcendido pela inclusão de galerias. O espaço interior se torna mais acessível, enquanto o tecido das ruas se torna mais unido. A cidade é virada pelo avesso, tanto espacialmente quanto no que concerne ao principio do acesso. O abandono do assentamento de quadras num perímetro fechado, no urbanismo do século XX, significou a desintegração da definição espacial nítida dada pelo padrão da rua. Esse novo tipo de assentamento urbano individualizou as fachadas, privatizou as entradas e afastou os edifícios uns dos outros, tornando maior a oposição entre publico e privado. Por isso os arquitetos modernos objetivam a melhoria dos edifícios por meio de um assentamento de melhor qualidade. Devemos considerar a qualidade do espaço das ruas e dos edifícios relacionando-os uns aos outros, com uma relação de reciprocidade. Embora a expressão da relatividade dos conceitos de interior e exterior seja uma questão de organização espacial, o fato de uma área tender para uma atmosfera mais parecida com a da rua ou com a de um interior depende da qualidade do espaço, de suas dimensões, da forma e da escolha dos materiais. É a união de interior e exterior e a conseqüente ambigüidade que intesificam a percepção de acesso espacial e de intimidade. O uso de uma área, o sentido de responsabilidade por ela e  o cuidado dispensado a ela encontram-se todos ligados às demarcações territoriais e à administração. Mas a arquitetura, graças as qualidades evocativas de todas as imagens explicitamente espaciais, formas e materiais, possui a capacidade de estimular determinados tipos de uso.

Fonte: Lições de Arquitetura, de Herman Hertzberger

6 comentários:

  1. Onde eu baixo esse livro
    nao consigo compralo esta indisponivel


    Bj8s

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  2. Onde eu baixo esse livro
    nao consigo compralo esta indisponivel


    Bj8s

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  3. Perfeito, li esse capítulo, e você o descreve muito bem, esses trechos das lições do livro são essenciais e de fácil entendimento, projetar pensando no bem estar social, aos arquitetos e futuros arquitetos um ótimo livro. Parabéns linda adorei :*

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  4. Estou precisando do capítulo b alguém me ajuda tá difícil achar

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