"Para
o consenso, a arquitetura é o invólucro que nos protege das intempéries
naturais e nos abriga. É o clichê romântico da cabana rústica e até da caverna
primitiva, imagem de uma convivência harmônica e limpa com a natureza (sem
lixo, esgoto e outros males da civilização), hoje atualizada nas versões mais
“modernas” dos loteamentos suburbanos, nos refúgios rurais e resorts litorâneos.
Para
o filósofo, a arquitetura se manifesta quando percebemos os limites e as
barreiras materiais que nos são impostos, e que nos imputamos voluntariamente
também: grades, muros, fincos, fossos, cercas, paredes, degraus etc. Tudo
aquilo que ao invés de permitir, impede. Talvez o exemplo mais radical desse
estado crítico e puro da arquitetura sejam os presídios e seus espaços e
dispositivos de controle. O que não quer dizer que essa estratégia de
imobilização não esteja por toda parte.
Para
os presos, arquitetura é punição. Mesmo que seja cada vez menos imobilização. É
que na era do celular, as barreiras físicas não mais impedem as ações
coordenadas e o contato com o exterior. E é por isso que a arquitetura tem que
ser cada vez mais cruel, para castigar e oprimir, já que não há mais
isolamento. É uma crueldade paradoxalmente sofisticada, toda em concreto
aparente, paredes duplas e espaços amplos. Mas tudo bem, o filósofo ainda pode
ser citado, só é preciso refletir sobre o que a Europa de décadas atrás pode
ensinar a São Paulo desses tempos.
Para
o artista, aquele mais antenado com as “questões da arte contemporânea”, a
arquitetura é um objetivo a ser atingido e uma novidade (não tão nova) a ser
encarada. Difícil encontrar um artista que não esteja “profundamente interessado
na arquitetura”, não como objeto de estudo, mas pelo seu caráter construtivo e
como “campo expandido” (hoje entendido literalmente como vacas espalhadas pela
cidade?!). O que a maioria parece não entender, e isso é bastante fácil de
observar nas persistentes “instalações” que pululam por toda parte, é que não
há arquitetura sem a rotina dos habitantes reais. Será que o mundo anda tão
fictício que até a arte precisa se aproximar do real?
Para
o professor, imbuído de sua tarefa de formar arquitetos sensíveis, a
arquitetura é um campo aberto de possibilidades de experimentações corpóreas e
sinestésicas que devem ser sentidas e potencializadas no espaço por cada mínimo
detalhe, cada material, cada escolha do aluno. A genealogia dessa ideia, apesar
de difícil de rastrear, provavelmente está vinculada à nossa própria formação
como consumidores contemporâneos. Afinal, o que somos nós senão colecionadores
habituais de novas experiências? Não são o gazebo gourmet, o Bar Acapulco, a piscina hot
tub com cascata, o putting green e vários outros espaços que
acumulamos em nossos condomínios nada mais do que demandas espaciais para
emancipação de nossas fantasias?
Para
os corretores de imóveis, arquitetura é oportunidade. “Sollar Emp Imov Casa nas
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Para
os engenheiros e os pragmáticos de plantão, arquitetura é uma palavra que causa
arrepios. Sinônimo de frescura, desperdício, complicação, subjetividade,
supérfluo e outros palavrões aos ouvidos da racionalidade técnica, arquitetura
é a fina casca efêmera que enfeita a audácia da concretude infraestrutural. Mas
eles não estão totalmente corretos como imaginam e nem totalmente enganados
como gostariam os arquitetos que se irritaram com as linhas acima. Há muito a
arquitetura se orgulha de ser o “frufru” da madame, o acessório de gesso que
eclipsa a luz e o quadro (daquele artista não antenado) combinando com o sofá
branco.
Para
os geógrafos, arquitetura é objeto técnico. Não em sua concretude como para os
engenheiros, nem como objeto de troca como para os corretores, mas um pouco dos
dois. Elemento de uma paisagem maior, como “vestígio das ações” humanas, mas
também de uma (des)territorialidade conformada pelos fluxos de valor. Talvez os
geógrafos desprezem a arquitetura pela sua pequenez e pelo seu excesso de
subjetividade (é, eles também tem problemas com isso!). Talvez por trabalharem
cientificamente com escalas tão enormes, não tenham tempo para as miudezas
intuitivas. Seria inadiável se não fossem as insistentes categorias
disciplinares, um encontro entre a arquitetura e a geografia em uma espécie de
“pororoca epistemológica”.
Para
os economistas, investidores e players globais, arquitetura é um
sistema intrincado e dinâmico que rege o funcionamento do capitalismo
contemporâneo. A chamada “arquitetura financeira internacional”, apesar do nome
pomposo e do otimismo ingênuo com a própria capacidade da arquitetura, pode ser
para uns o esquema perverso de manutenção da ordem entre pobres e ricos e, para
outros, um lucrativo modo de se fazer dinheiro, principalmente graças à
internet. Mas de alguma forma, o preço da couve do almoço de ontem, do ônibus
de hoje e a prestação da casa própria de amanhã, dependem dessa arquitetura
abstrata e imaterial.
Para
os políticos, arquitetura é cosmética eleitoreiraVeneciano, Avenida Marrom-Sanitário. É preciso concordar
que tem dado certo. Pelo menos para eles. E o curioso é que são arquiteturas de
publicitários, estratégias de “Marketing Territorial”, a mais nova tendência
trazida pelas monções globais. Os arquitetos, recebem 0,0001% do valor cobrado
pela agência TAL, assinam a marmota e ainda se sentem orgulhosos o suficiente
para publicar o trabalho em veículos especializados. Mas a pior parte fica
definitivamente para os vizinhos da “benfeitoria”.
Para
os leigos (termo pejorativo que os arquitetos usam para desclassificar
clientes), arquitetura é algo muito parecido com a engenharia, senão uma
subcategoria indefinida desta, razão pelo qual a grande maioria não vê vantagem
alguma em sair procurando um escritório de arquitetura se há lojas de
engenharia em todos os shoppings, com estacionamento fácil. A
diferença é que “arquitetos são sonhadores, idealistas e gostariam de mudar o
mundo”. De preferência começando pela pintura das fachadas.
Para
os biólogos e ambientalistas, arquitetura é sinal de destruição e devastação. A
bem da verdade, a construção civil é mesmo a atividade mais predatória
existente sobre o planeta. O que essa verdade não revela é a efetiva
participação dos arquitetos nesse processo. Tanto que, cansados de estarem
alijados dos lucros da “compulsão construtiva”, estes têm cada vez mais mudado
de lado para atuarem como planejadores ambientais, ecodesigners e paisagistas. Talvez esse fenômeno seja sintoma de
uma crise maior, de um esgotamento de um modelo de desenvolvimento; talvez seja
apenas o desbravamento de mais um nicho: de mercado.
Para
historiadores e demais afeiçoados por aquelas fotos sépia dos livros
comemorativos, arquitetura é um monumento sólido e estável (hipotética e
historicamente). Uma espécie de ruína asséptica de um futuro anacrônico, habitada
por moradores no presente. Como pode ser possível isso? A grande batalha
travada por voluntariosos preservadores e preservados involuntários se dá
exatamente na impossibilidade linguística da noção de patrimônio: para os
primeiros, valor coletivo e interesse público inalienável; para os segundos,
propriedade privada e aguardada herança a ser repartida logo que findado o
inventário da casinha da Vovó.
Para
os carros, arquitetura é brutalista. Ou sua nova versão criada não mais pela
ideologia da “honestidade dos materiais”, do “trabalho livre” e nem pelos
estilismos regionais, mas simplesmente como contenção de gastos. As garagens
atuais são a prova cabal que as melhores arquiteturas são produzidas quando não
se pretendia fazer arquitetura! Além disso, são os ambientes perfeitos para
entender o que significa “interface” (atenção professor!): design gráfico,
publicidade, sinalização, engenharia elétrica, hidráulica, impermeabilização,
ar-condicionado, sistemas de comunicação e vigilância, sistemas estruturais.
Tudo ali, integrado e à mostra, sem pudores.
Para
os decoradores, arquitetura é o que se deve ocultar. Portanto, exatamente o
oposto de uma garagem contemporânea. Quantas caixas-de-passagem, quantas
juntas-de-dilatação, quanta tubulação, quantos fios, quantos motores, quantas
placas, quantos hidrômetros devem ser escondidos com toneladas de gesso e MDF?
Para
os sociólogos, arquitetura é um instrumento a serviço da exclusão, da
segregação e da “luta de classes”. A casa-grande e a senzala, a fábrica e a cidade,
o morro e o asfalto são momentos materializados do comportamento das massas
humanas no cenário delineado pelas metrópoles (ou simplesmente a leitura que
algumas cabeças fizeram desse comportamento?). Arquitetos costumam gostar de
comprar livros de sociologia. Será que estes preenchem os espaços vazios das
fotografias fantasmagóricas dos livros e revistas de arquitetura? Será que
sociólogos escrevem sobre arquitetura coisas que arquitetos não são capazes de
escrever? Ou será apenas pelos títulos sugestivos? (alguns ótimos: “Ecologia do
medo”, “Modernidade líquida”, “Produzir para viver”, “Cabeça de Porco”).
Para
os terroristas e, recentemente, para o PCC, arquitetura é alvo. Sinal que
terroristas e bandidos, além de comprar livros de sociologia, os lêem.
Para
as crianças, arquitetura é grande e colorida. A verdade é que as crianças é que
são pequenas. Quando crescem percebem que arquitetura tem sempre as mesmas
dimensões: pé-direito de 2,80
metros , bancada a 90 centímetros do
chão, etc. Percebem também que com o passar dos anos, o mundo ao seu redor vai
se tornando cada vez mais monocromático. Não é o mundo, claro, mas os ambientes
que passam a frequentar. Depois do maternal colorido, da puberdade em salas de
duas cores (branco e bege, branco e cinza ou branco e verde-água) com
mobiliário da cor da roupa dos professores; da adolescência em salas de uma cor
esmaecida qualquer, chega a hora da universidade. Tudo igual: tão monótono que
a orelha do colega à frente continua sendo mais incisiva do que a aula no PowerPoint.
Para
os técnicos empuleirados nos gabinetes oficiais (que o geógrafo-mór chamou de
“subalternos”), arquitetura é um emaranhado de parâmetros. Coeficientes, taxas,
números, fórmulas, zonas, termos vagos e disfarçadamente precisos para estabelecer
quem são os leigos (lembra?) e os especialistas. Mas afinal, não somos todos
especialistas em habitar? Se todo esse esforço de abnegados servidores em prol
do bem-estar coletivo deveria propiciar uma cidade mais organizada, ensolarada
e aerada, a prática revela outra realidade: limitada, melancólica, barulhenta e
horrorosa. Será que não seria melhor confiar no bom-senso e nas preferências
individuais, ao invés de delegar essa função a alguns poucos mau-humorados?
Para
os bichos, a arquitetura pode ser um habitat melhor que a própria natureza. Só
para os que sobreviveram, é claro. Duas categorias básicas (criadas por um
sábio-sobrinho de 2 anos) englobam toda a diversidade faunística atual:
“selvagens e domésticos”. Os selvagens são os pombos, os pardais, as baratas,
os ratos, os calangos, os urubus, as moscas, os piolhos, e os vira-latas (que
podem ser cães, gatos ou cavalos). São os animais “cor-de-burro-fugido”. Os
domésticos se resumem basicamente a uma elite privilegiada: os poodles, os
angorás e o canário-belga, todos coloridos (às vezes, artificialmente).
Selvagens adoram se infiltrar nos interiores domésticos. Baratas preferem as
frestas dos armários da cozinha e pombos encaixam perfeitamente no brise-soleil. Gatos gostam mesmo é de surfar nos telhados
remanescentes. Domésticos, quando saem sem escolta, tendem a se dar mal.
Para
os mendigos e catadores, arquitetura é sobra. Assim como a comida, a roupa, os
objetos que carregam. Coisas largadas, abandonadas e esquecidas por aí. Uma
marquise, um degrau, um platô, um nicho. Pequenos esquecimentos do projeto
inicial, cavidades ou apêndices que recuam ou avançam para fora do previsto.
Nessas situações, a urgência da proteção é tão massacrante que uma mísera
lajinha a 5 metros
de altura pode ser um abrigo familiar. Assimra pode ser um abrigo familiar. Assim como o frio é psicológico,
arquitetura também deve ser.
Para
o porteiro, arquitetura é capsular. Como pode caber tanta coisa dentro daquela
guarita? Televisão, cadernetas, pranchetinhas de controle, mochila, jornais,
revistas, correspondências, rádio, luminária, interfone que parece uma mesa de
som, sem contar a mesa e a cadeira. Isso quando o síndico não deixou a sacola
com o edredom para a lavanderia pegar, o outro o micro system da tia e o do 4° andar, que
está de viagem, a gaiola com o canário-belga. Mas parece que os porteiros não
só não se importam (também de que adiantaria se importar?) como agradam
bastante do espaço que lhes cabe na hierarquia condominial. É que apesar da
economia no dimensionamento das guaritas, a posição é extremamente
privilegiada: quem entrou, quem saiu, com quem entrou, com quem saiu...
Pequenas distrações de uma rotina atribulada.
Para
o síndico, arquitetura é profissão. Afinal, ninguém se preocupa tanto com
arquitetura quanto estes obstinados e incompreendidos seres. Verdade que é bem
fácil se dedicar à arquitetura com o dinheiro alheio (vide arquitetos). O
portão que precisa de pintura nova, o interfone que está obsoleto e pode ser
trocado “sem custos adicionais”, as instalações em estado preocupante que
exigem a intervenção do martelete, a fachada que descasca e compromete nossa
imagem, os móveis coloridos do hall que estão démodé. A eterna e diária batalha de convencimento de que vale a
pena lembrar-se da arquitetura, e fazer algo por ela sem mexer no fundo de
reserva, principalmente se você for um feliz proprietário.
Para
o entregador de pizza, arquitetura é promenade. O balcão, o salão esfumaçado,
barulhento e cheio de gente, a escadaria, o passeio esburacado, a banca que
esconde o trânsito e o poste que escora a moto, o cadeado que sempre enguiça. 8
minutos: primeira à direita, segunda à esquerda, quinta à direita de novo. Uma
contramão inofensiva, o prédio. Vaga debaixo da árvore e em frente à portaria,
o passeio escorregadio (“cuidado!”), o interfone escondido sob a trepadeira, o
portão aberto que apita em 3 segundos, o hall com pinturas estranhas e a
lâmpada sempre queimada, o elevador que fecha sem avisar, a fórmica bege
riscada, o térreo faltando o “t”. 53 segundos até lá em cima. O corredor longo e
escuro (“cadê o interruptor?”), o mesmo cretino esperando já com a porta
aberta, a luz acesa e o dinheiro na mão (“me convida pra entrar?”).
Para
as plantas, arquitetura é fundo. Houve um tempo em que o fundo da arquitetura
era o quintal (naquelas fotos sépia), mas hoje os quintais estão extintos e
foram substituídos pelas fantásticas garagens. Também quem teria tempo de ficar
varrendo terreiro e catando pitangas? É por isso que os corretores de imóveis e
construtores inventaram as jardineiras, muito mais práticas e ecológicas pois
gastam muito menos terra e água. Essas covas-rasas adequadas para espécies sem
raiz, sem cheiro e sem cor, dimensionadas milimetricamente segundo o custo da
impermeabilização, são ideais para embelezar e harmonizar o lar, principalmente
quando o blecaute, a persiana e a cortina estão simultaneamente abertos.
Para
o Houaiss, arquitetura é substantivo feminino. “Arte e técnica de organizar
espaços e criar ambientes para abrigar os diversos tipos de atividades humanas,
visando também à determinada intenção plástica. Conjunto das obras
arquitetônicas executadas em determinado contexto histórico, social ou
geográfico. Maneira pela qual são dispostas as partes ou elementos de um
edifício ou de uma cidade. Conjunto de princípios, normas, materiais e técnicas
usadas para criar o espaço arquitetônico. Derivação, por extensão de sentido: conjunto de princípios e regras
que são base de uma instituição, conjunto de elementos que perfazem um todo;
estrutura, natureza, organização. Derivação,
sentido figurado: boa forma arquitetural,
elaboração de um empreendimento futuro; plano, projeto”.
Para
o cantor, compositor, escritor e filho do historiador, arquitetura foi uma
escolha errada.
Para
os turistas, arquitetura é o que está no início e no fim dos traslados:
atrações e hotéis. Atrações são construções históricas, igrejas, fortes,
faróis, monumentos, centros culturais e museus. São basicamente aqueles espaços
que os moradores locais nunca entraram e não têm costume de frequentar, mas
adoram ficar de fora rindo dos trajes e da brancura dos visitantes. Os hotéis
são aqueles prédios cada vez mais parecidos com os condomínios habitados pelos
visitantes (ou será o contrário?). “EM
QUALQUER LUGAR ,
SINTA-SE EM CASA”. Hotéis podem ser “de luxo, para casais, agradáveis,
golfe, resorts, hotéis com spa, hotéis-fazenda, aceitam
animais, com canil e para crianças”. As atrações são classificadas por
estrelas: quatro estrelas, não deixe de ir; três estrelas, muito interessante;
duas estrelas, interessante; uma estrela, de algum interesse. Os hotéis são
classificados pelo conforto: luxo, muito confortável, confortável, médio
conforto, simples. Aquelas atrações sem nenhum interesse e os hotéis
desconfortáveis não são recomendados.
Para
os críticos (extintos nos trópicos), arquitetura é “ismo”. Neoclassissismo,
cubismo, neoplasticismo, racionalismo, funcionalismo, modernismo,
pós-modernismo, deconstrutivismo, regionalismo, minimalismo, pragmatismo,
neomodernismo, hipermodernismo, imobilismo. Qual será o próximo?
Para
o suicida, arquitetura é trampolim para o ímpeto. 11 pavimentos de queda livre.
Uma eternidade. E segundo os reincidentes, um filme acelerado e de trás pra
frente sobre toda uma vida, mas também uma experiência de libertação
(tectônica?). Infelizmente, acontece de dar errado, graças à piscina do prédio
vizinho, o toldo da mercearia ou o pula-pula inflado no pilotis. E ao invés do encontro com os que tiveram melhor sorte,
o intrépido voador tem que se contentar com o corpo inchado, a multidão de
curiosos e as piadinhas do porteiro.
Para
o grande líder genocida, arquitetura é simétrica. Para cada grande museu
saqueado, cada monumento bombardeado, cada torre conquistada em território
inimigo, um equivalente wagneriano deve ser erigido em solo próprio, de
preferência mais monumental.
Para
o pastor, arquitetura já foi pior. É que as garagens, os galpões e as lojas
improvisadas eram mesmo muito desconfortáveis. Quentes, sem acústica e
apertados, esses espaços exigiam grande empenho do orador e seus súditosastor, arquitetura já foi pior. É que as garagens, os galpões e as lojas
improvisadas eram mesmo muito desconfortáveis. Quentes, sem acústica e
apertados, esses espaços exigiam grande empenho do orador e seus súditos sudoríparos.
Entretanto, muitos paradigmas foram quebrados graças a essa precariedade:
telão, lâmpadas florescentes, cadeiras de plástico, grunhidos eletrificados, data
show e PowerPoint. Uma espécie potente de
realismo transcendental. Mas, infelizmente, à medida que o dízimo aumenta, essa
fase de transgressão criativa diminui, e os novos templos são cada vez mais de
espessura histórica pré-fabricada e do reino do Bigness.
Para
o padre, arquitetura já foi melhor. Será que queda do número de fiéis é resultado
das igrejas cada vez menos impressionantes? Galpão por galpão, melhor o que tem
telão?
Para
o parto, arquitetura é clínica. Inoxidável, fria, lisa, impermeável e
monocromática! Ou seja, antes do maternal colorido, passamos por uma recepção
inteiramente esmaltada em
verde-água. Em contrapartida, permanecemos algumas horas
naquela redoma linda, acrílica, transparente, repleta de oxigênio do mais puro.
Nossa primeira casa, e indiscutivelmente a melhor de todas as que virão. Nesses
laboratórios pálidos de recém-vida, com janelas escassas, poltronas
plastificadas e catracas barulhentas, nascer é ainda um experimento?! Não
deveríamos nascer em um jardim ensolarado, calmo e acolhedor? Ou é assim que
devemos morrer?
Para
a morte, arquitetura é mística. Formas arquetípicas, pirâmides, cúpulas,
grandes eixos e perspectivas. Tudo isso disposto como numa maquete perfeita,
sobre o tal jardim ensolarado, calmo e acolhedor, com uma pitada de feng-shui,
algumas mandalas, cruzes estilizadas, clichês de novela, a indefectível trilha
sonora new age e muita favela ao redor.
Para
os jornalistas, arquitetura não é notícia. A não ser quando desabam 04 torres
de 30 andares ao mesmo tempo, quando a obra do tribunal é superfaturada, quando
o arqui-diretor do museu não paga a conta de luz, quando são convidados para a
inauguração da loja mais luxuosa do país, quando se deslumbram com os estádios d’amaiordetodasascopas, quando há rebelião em 57
presídios ao mesmo tempo. Entretanto, com muito custo (R$87,52/cm2) a
arquitetura conquista gradativamente um lugar de destaque nos principais
jornais. Melhor para os donos dos jornais, que costumam ser também os editores,
pois assim podem distribuir a pauta em duas categorias básicas: notícias e
anúncios. Arquitetura felizmente se enquadra na segunda.
Para
os programadores de software, arquitetura é a estrutura
sofisticada e complexa que permite que comandos simples executem ações ou
programas extensos e complicados. Para eles, quanto mais eficientes, mais
criativas e mais simples forem as “plataformas operacionais”, mais rica será a
interação do usuário com o computador. Afinal, é disso que se trata? Mediação
eficiente e criativa entre nós mesmos e as coisas enigmáticas que construímos?
Ou será somente uma grande metáfora? Windows, Desktop, Firewall, Vista...
E
para os arquitetos, o que será arquitetura?"
Então, o que é arquitetura? E como diz Paulo Bruscky, para quê serve? Arquitetura é só uma interface entre o homem e o mundo? Então, canis não são arquitetura? Arquitetura pode ser vestível? Pode ser abstrata e até mesmo etérea? Precisa proteger da chuva? Um pavilhão de cds seria "música petrificada"?
Não vou dar as respostas que eu mesma não tenho. Nem vou me aventurar a uma designação simplista de uma estudante do primeiro período, então prefiro encerrar com o pensamento do excelente Luis Fernando Veríssimo: "Pensei vagamente em estudar arquitetura, como todo o mundo. Acabaria como todos que eu conheço que estudaram arquitetura, fazendo outra coisa. Poupei-me daquela outra coisa, mesmo que não tenha me formado em nada e acabado fazendo esta estranha outra coisa, que é dar palpites sobre todas as coisas."
Então, o que é arquitetura? E como diz Paulo Bruscky, para quê serve? Arquitetura é só uma interface entre o homem e o mundo? Então, canis não são arquitetura? Arquitetura pode ser vestível? Pode ser abstrata e até mesmo etérea? Precisa proteger da chuva? Um pavilhão de cds seria "música petrificada"?
Não vou dar as respostas que eu mesma não tenho. Nem vou me aventurar a uma designação simplista de uma estudante do primeiro período, então prefiro encerrar com o pensamento do excelente Luis Fernando Veríssimo: "Pensei vagamente em estudar arquitetura, como todo o mundo. Acabaria como todos que eu conheço que estudaram arquitetura, fazendo outra coisa. Poupei-me daquela outra coisa, mesmo que não tenha me formado em nada e acabado fazendo esta estranha outra coisa, que é dar palpites sobre todas as coisas."