quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A participação comunitária na cidade contemporânea

Encontrei essa reportagem navegando na net e resolvi colocar aqui. Vale a pena conhecer um pouquinho mais de Joseph Rykwert, um dos membros do CIAM.

Fonte: Google Imagens

"A participação comunitária na cidade contemporânea

O Team X (que recebeu esse nome por ser o grupo responsável pela organização do CIAM X de 1956) propôs, ainda nos anos 1950, recolocar nos projetos o homem real das ruas no lugar do Modulor, homem ideal, de Le Corbusier e da “velha guarda” dos CIAM. As questões das diferenças individuais passaram a ser estudadas no lugar do coletivo ideal. A idéia principal era de devolver a cidade a seus habitantes. O grupo era heterogêneo e eclético mas tinha a convicção comum de ir contra a doutrina da Carta de Atenas(A Carta de Atenas se refere às discussões acerca da Cidade Funcional travadas durante o CIAM IV a bordo do Patris II em uma travessia Marselha-Atenas em 1933. A Carta só foi publicada 10 anos depois, durante a ocupação alemã de Paris, pelo próprio Le Corbusier. Outra versão dos debates é publicada por Josep Lluis Sert, exilado nos Estados Unidos, no seu livro: Can our cities survive?). Joseph Rykwert, uma dos membros, continua até hoje seguindo esta linhagem teórica, ao insistentemente buscar alternativas ao modernismo (Uso o termo modernismo de forma pejorativa para indicar a massificação como uma perda de qualidade da arquitetura moderna construída em larga escala, para o menor número de pessoas e da forma mais rápida possível (pré-fabricada). O urbanismo proposto por Le Corbusier, exposto como uma doutrina na Carta de Atenas, foi massificadamente construído na Europa do pós-guerra, principalmente sob a forma de enormes conjuntos habitacionais modernistas (muitas vezes repetições dos mesmos projetos em série).) ao longo de toda sua obra. Pode-se notar uma influência direta de Van Eyck (Aldo Van Eyck, um dos primeiros arquitetos a contestar o racionalismo dos CIAM, já dizia em 1947 que “O CIAM sabe que a tirania do senso comum cartesiano alcançou seu ápice”. Van Eyck também foi um dos precursores do estudo da arquitetura vernácula, em particular dos Dogons.), sobretudo temática, ligada ao estudo da mitologia e dos rituais, ou seja, ao resgate de um simbolismo primitivos claramente ausente do racionalismo do pensamento moderno.
O autor, mesmo ao trabalhar com temas bastante díspares, demonstra sempre uma preocupação humanista com a organização do espaço em geral, seja na escala arquitetônica ou urbana. Seu interesse central está no estudo das formas pelas quais o homem organiza seu espaço, seja este uma cabana primitiva ou a cidade contemporânea. Ao longo de seus textos são estudados os conteúdos simbólicos das sociedades e das cidades, as diferenças culturais, religiosas, psicológicas, e, principalmente, a simbologia das formas resultantes. Em oposição clara à Carta de Atenas, que pretendia eliminar as diferenças e conflitos da cidade moderna, Rykwert quer mostrar que são exatamente essas diferenças e conflitos que tornam as cidades lugares mais sedutores.
Em A sedução do lugar Rykwert faz um apelo a favor da participação e da ação comunitária, das iniciativas de cidadãos em protestos coletivos para resolução de problemas urbanos. Trata da responsabilidade de arquitetos e urbanistas (mea-culpa corporativo) e lembra que toda a ação urbanística é antes de tudo política. Além de propor um maior envolvimento público dos habitantes, o autor também ressalta diferentes maneiras de se resolver questões urbanas, ou seja, de se passar do protesto ao projeto. Com um discurso muito próximo ao de Jane Jacobs em Morte e vida das cidades americanas, Rykwert comenta sobre o “mal estar urbano” e os possíveis “remédios” para melhorá-lo (Na época da publicação do livro de Jacobs (1961), Lewis Mumford publica na revista New Yorker um artigo crítico com o irônico título: “Mamãe Jacobs e seus remédios para o câncer urbano”. Jane Jacobs rebateu afirmando que além de machista, Mumford nunca gostou de grandes cidades como Nova York.). Defende a sutileza e a modéstia nas intervenções urbanas (Os projetos e intervenções urbanas são cada vez mais espetaculares e midiáticas nas mais recentes revitalizações urbanas, que sempre acabam por expulsar a população mais pobre do local (gentrification).), e termina o livro invertendo uma máxima de Daniel Burnham (Daniel Burnham é autor do Plano de Chicago, de 1909, um modelo para a modernização das cidades nos EUA.) que dizia: “Não faça planos pequenos”. Joseph Rykwert, por sua vez, aconselha: “Faça planos pequenos, e muitos deles”.
No epílogo da edição brasileira o autor cita o caso do onze de setembro em Nova York, e comenta o ataque terrorista às torres gêmeas mostrando como este reforça, de uma forma particularmente dramática, a questão do valor simbólico da arquitetura. Para quem não conhece esta ironia da história da arquitetura, as torres gêmeas do World Trade Center, destruídas em 2001 no ataque terrorista (que já tinham sido alvo de um atentado em 1993), foram inauguradas em 1972, quando ainda eram as torres mais altas do mundo, o que simbolizava o poderio econômico dos EUA e reforçava a posição central de Nova York no comércio mundial, como o nome do prédio indica. E 1972 foi também o ano conhecido como o início nos EUA do chamado “Pós-modernismo” em arquitetura, principalmente por causa da implosão controlada do Pruitt Igoe, um conjunto habitacional modernista, o que para Charles Jencks simbolizou o enterro oficial do movimento moderno (O movimento moderno já tinha terminado com o final dos CIAMs e a construção em massa de conjuntos habitacionais já vinha sendo muito criticada na Europa desde os anos 1950, principalmente pelo próprio Team X e pelos Situacionistas.). O conjunto Pruitt Igoe foi projetado pelo mesmo arquiteto, Minoru Yamasaki, do World Trade Center. Yamasaki passou a ser um dos arquitetos mais conhecidos do mundo por suas obras implodidas, talvez por ser também um dos que mais tenha tornado explícita e inequívoca esta função simbólica em sua arquitetura, ao criar ícones midiáticos e espetaculares, que acabaram se tornando alvos.
Rykwert chama atenção para esta função simbólica, ou melhor, metafórica, da arquitetura. Ou ainda alerta para seu poder metafórico, que foi tragicamente reafirmado pelos terroristas em setembro de 2001. Protesta contra a arrogância da arquitetura, contra a megalomania dos projetos faraônicos contemporâneos, e propõe, no lugar dos mega-monumentos, projetos mais modestos, mais sutis, em suma, mais humanos. O epílogo ganha um tom mais panfletário do que o resto do livro, como se o ataque terrorista tivesse explicitado, de forma trágica, o que o autor já tinha tentado dizer de forma indireta, e que poderia ser resumido na seguinte equação: pressão cívica versus função simbólica.
Joseph Rykwert deixa uma mensagem final bem clara. Ele pede para que os arquitetos e urbanistas prestem mais atenção às possíveis consequências do que eles projetam; e para que os cidadãos em geral prestem mais atenção aos projetos dos arquitetos e urbanistas, e também às posições quanto às questões urbanas dos políticos responsáveis. Quase um slogan do tipo: ao votar pense na forma de cidade que você deseja! O recado fica ainda mais explícito no final do texto: “Não liguem para as opiniões de seus candidatos sobre aborto e direitos dos homossexuais – ou qualquer outro interesse de facções, por mais importantes que sejam. Interroguem-no sobre a sua posição sobre assuntos que dizem respeito à tessitura da cidade, perguntem-lhe se ele sabe que o tecido da cidade é uma metáfora da sociedade que você e ele querem viabilizar”."

Paola Berenstein Jacques, arquiteta e urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura, do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo e do Mestrado em Artes Visuais da Universidade Federal da Bahia, pesquisadora CNPq. Autora de Les favelas de Rio (Paris, l'Harmattan, 2001); Estética da ginga (Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2001); Esthetique des favelas (Paris, l'Harmattan, 2003); co-autora de Maré, vida na favela (Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2002) e organizadora de Apologia da deriva (Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2003).
[resenha originalmente publicada na Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 5, n. 2. São Paulo, NERU, nov. 2003, p. 97-98.]

Nenhum comentário:

Postar um comentário